E se os eleitores politicamente ignorantes fossem impedidos de votar?
A democracia aprende-se. E pode aprender-se, na escola, através da educação democrática. É esta educação que permite que os indivíduos sejam capazes, livre e conscientemente, de participar, como cidadãos, na definição colectiva da sociedade.
No livro Contra a Democracia, o filósofo americano Jason Brennan defendia que a democracia é um sistema de governo injusto e ineficaz, pois a maior parte dos cidadãos são hobbits — apáticos e ignorantes quanto à política — e hooligans — fanáticos tendenciosos da política (activistas e militantes). Resta uma minoria — os vulcanos — os que pensam a política de forma informada, que não são determinantes na eleição dos políticos. Sendo assim, este filósofo defende a substituição da democracia pela epistocracia, um sistema de governo dos sábios, semelhante ao regime aristocrático (o rei-filósofo) proposto por Platão. Terá razão Brennan?
A ignorância política da maioria dos cidadãos tem sido, desde sempre, o principal argumento para os excluir ou subestimar na democracia. Antes do século XX foi o principal entrave apontado para a implementação do sistema democrático; depois foi defendido para restringir o sufrágio universal.
É certo que as últimas eleições nos EUA, no Brasil e em muitos países na Europa parecem dar razão aos partidários da epistocracia, que talvez suponham que Bolsonaro, Trump ou outros líderes populistas europeus tenham sido gerados por uma maioria de hobbits. No entanto, parece-me razoável que, se os cidadãos numa democracia são politicamente ignorantes e desinformados (talvez seja verdade!) e que, por esse motivo, escolhem maus líderes, há que experimentar melhorar os seus níveis de conhecimento político em vez de pensar excluí-los da participação política. Como?
A ignorância só pode ser resolvida de uma forma: através do conhecimento. Os filósofos costumam designar o conhecimento como crença verdadeira justificada. Ora, boa parte das crenças dos cidadãos sobre política e políticos ou são falsas ou são injustificadas. Será por esse motivo que a maioria dos portugueses não consegue identificar fake news, como revelou recentemente um estudo da Comissão Europeia?
Talvez. A democracia aprende-se. E pode aprender-se, na escola, através da educação democrática. É esta educação que permite que os indivíduos sejam capazes, livre e conscientemente, de participar, como cidadãos, na definição colectiva da sociedade; de, por exemplo, votar de forma esclarecida ou, como afirma a filósofa americana Amy Gutman, em Democratic Education, “deliberar sobre vias alternativas de vida política e pessoal”.
A educação democrática desenvolve-se através da pedagogia democrática, dentro da sala de aulas (criando uma disciplina obrigatória, de Educação Política, no 12.º ano, por exemplo), e de processos formais ou informais de organização e governação da escola. Esta educação, infelizmente, não existe nas nossas escolas. Os alunos não aprendem nem dentro nem fora da sala de aulas a viver na democracia. Se quisermos saber que competências democráticas aprendem fora da sala de aulas basta acompanhar as campanhas eleitorais para as associações de estudantes nas escolas básicas e secundárias para percebermos quão castradoras são as escolas do espírito democrático dos jovens.
É verdade que há muita desconfiança relativamente à educação democrática. Por um lado, devido ao receio de doutrinação ideológica dos alunos. Por outro lado, devido à resistência dos órgãos das escolas em adoptar processos de gestão e participação democrática. O problema da doutrinação ideológica é um falso problema. Em História e Filosofia, por exemplo, os alunos estudam diferentes modelos ideológicos de organização da sociedade e essa preocupação, aparentemente, não existe. Para isso, é crucial que a educação em sala de aulas propicie o desenvolvimento da capacidade crítica dos alunos para uma deliberação racional entre diferentes concepções de boa vida e boa sociedade. O segundo problema resolver-se-ia com o reforço da gestão democrática das escolas.