À direita, tudo na mesma
Tristes dias estes para a democracia portuguesa, onde o equilíbrio de forças, as que se dizem progressistas e fundadoras, vai soçobrando ao taticismo interno, aos vícios da cacicagem e à voragem aparelhista.
Tenho andado entre a expectativa e a esperança de ver que o pais ganha equilíbrio à direita e consiga voltar a ter debates sérios, politicamente honestos com uma oposição credível, coerente e consistente, com uma oposição responsável, atenta aos desafios que se vão colocando ao país e com contributos válidos, concretizáveis e ao arrepio do populismo que se vai instalando. Nem uma coisa nem outra… à direita, tudo na mesma, se não pior.
Senão vejamos: o país assistiu a um combate intestino no PSD em três rounds que, do ponto de vista dos resultados eleitorais, terminou em KO, mas que na prática não passou de um empate técnico quanto à fraqueza de argumentos, baixeza de acusações e pobreza de propostas para o país. O “maior partido da oposição” continua ensimesmado desde que ficou órfão de Passos Coelho, e nem a reeleição de Rui Rio, nem a proximidade do seu Congresso Nacional, o retirou do torpor e sonolência a que nos habituou e, pelos vistos, se habituou. Nem as questões relacionadas com o Orçamento do Estado, instrumento vital para a governação do país, despertaram a liderança do PSD do seu estado de hibernação. Longo inverno este, o da oposição, salvo uns momentâneos suspiros com propostas surrealistas no IVA da eletricidade ou no fim da gratuitidade universal dos manuais escolares da escola pública, que só podem ser justificadas pelo estado sonambúlico a que o partido está votado.
À direita do PSD ainda é pior. E digo à direita, porque o novo líder do CDS, sucessor de Assunção Cristas, afirmou perentoriamente no seu discurso de consagração eleitoral que é o legítimo partido da direita portuguesa. São portanto convicções suas, e não minhas, que me limito a transcrever. E o que conseguimos perceber desta transformação? Absolutamente nada de bom. A ver pelo seu discurso de encerramento do congresso centrista, o que vem aí não é positivo nem para o partido nem para o país. Um discurso vazio, quando não extremado, ideias com mofo, sem o frescor que se esperaria de um jovem com 31 anos de idade, sectário e ultra conservador, completamente antagónico do epíteto de jovem promissor europeu que a revista Forbes atribuiu no passado. Como pode ter um futuro promissor um jovem que tem um discurso tão velho? E, além do argumentário, o tom foi o que mais se destacou. Um jovem líder, que acaba de assumir os destinos de um partido fundador da democracia portuguesa, moderado dizem, sem um vislumbre de serenidade. Um discurso feito a plenos pulmões, em tom de comício, aos gritos, em tom cerrado, nada ajustado ao momento. Falou com certeza para dentro, porque os de fora desligaram ao fim de poucos minutos com certeza.
E à direita do CDS? Não há sequer um adjetivo decente que o possa descrever. Uma nuvem de populismo, de segregação e de disparate. Um manancial de nacionalismos que há muito julgava extirpados do nosso xadrez político. Um nojo quando ultrapassa os limites do bom senso e da decência, mesmo quando em reação aos dislates e sobranceria injustificável de uma Joacine que já nem no seu próprio partido encontra suporte. Não há ali, de facto, gaguez nas ideias… há incontinência do disparate. Uma justiceira em causa própria a querer ajustar contas com um passado longínquo que é também parte da nossa história, mas que não pode ser considerada à luz da atualidade.
Estamos, assim, entre o feminismo radical anti-racista de Joacine (seja lá o que isso for) e o radicalismo homofóbico e xenófobo de Ventura, com um PSD a cumprir quotas por obrigação, e um CDS renovado e liderado pelo ‘Chicão’, onde a mulher não tem qualquer expressão.
Sim, no CDS a mulher não tem expressão nem sombra de expressão, o que na verdade nos faz a todos pensar que caso esta postura secular chegasse de novo ao poder, muito provavelmente ficariam por certo a ganhar as marcas de electrodomésticos. Uma liderança jovem mas com manifesto e condenável registo de retrocesso civilizacional no que às questões da igualdade de género e de direitos diz respeito.
Por último, mas sem menor importância, o atrevimento de Ventura ao sugestionar a devolução da deputada Joacine às suas origens, sem qualquer sanção ou repudio parlamentar, é algo que rasga as vestes da Democracia, da República e do respeito individual e parlamentar.
Ah e tal, estava a brincar, ah e tal, foi uma expressão, ah e tal, foi ao correr de um discurso caloroso, estas são as possíveis e habituais desculpas para aquilo que quer dizer e diz, mas com uma carga inadmissível, tóxica e punível de preconceito. Tratou Joacine como cidadã de segunda e deputada de segunda.
“Não vamos dar palco”, argumentam as bancadas parlamentares. Vamos encerrar este episódio, dizem. A verdade é que, não dando palco repudiando, sancionando, alimentam na opinião pública e na sociedade o sentimento de que se pode “brincar” com o racismo e com a xenofobia. Uma vergonha!
Nota ‘0’ a Ventura e nota ‘0’ a todo o Parlamento.
Tristes dias estes para a democracia portuguesa, onde o equilíbrio de forças, as que se dizem progressistas e fundadoras, vai soçobrando ao taticismo interno, aos vícios da cacicagem e à voragem aparelhista.
À direita, tudo na mesma, se não… pior!
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico