Quando entras no jogo do populista, ganha o populista…
Um deputado conseguiu, graças aos restantes partidos, ser mais falado nestas últimas semanas do que os restantes 229 deputados. A melhor forma de combater o populismo é ter partidos que se voltem a importar com as pessoas.
Segundo a mais recente sondagem sobre as intenções de votos dos portugueses, o Partido Chega, de Ventura, atinge os 6,2% das intenções, igualando o PCP e ultrapassando o PAN. A prova de que a estratégia de Ventura está a resultar, muito por culpa dos restantes partidos.
Joacine estende o tapete a Ventura, criando conflitos identitários que nunca tiveram grande relevância em Portugal. Portugal é considerado um dos países mais tolerantes do mundo. Somos dos que mais discordamos da ideia da existência de uma “superioridade racial, religiosa ou cultural”. Somos considerados o terceiro país mais pacífico do mundo e estamos no topo como o país mais “gay-friendly”. Portanto, ter alguém como Joacine a puxar cartas identitárias serve apenas para polarizar uma sociedade pouco polarizada. E os Venturas alimentam-se destas polarizações.
Os outros partidos também não ficam bem na figura. Ao mesmo tempo que votam contra a condenação de agressões a profissionais de saúde e professores (mesmo que seja apenas por não concordarem com o texto), apressam-se a condenar Ventura por xenofobia. Ventura recolhe os pontos, à medida que faz manchete em vários jornais. Um deputado conseguiu, graças aos restantes partidos, ser mais falado nestas últimas semanas do que os restantes 229 deputados. Como se os seguidores de Ventura reagissem minimamente a este tipo de indignação parlamentar.
Não só isso, como continuar a chamar racista a Ventura vai do inútil ao contraproducente. Primeiro, porque Ventura não é um racista, é um populista. Temos inclusive a sua tese de doutoramento, em que dizia estar preocupado com “a expansão dos poderes policiais”, com a “estigmatização das minorias” e “o discurso do medo”. Mas percebeu que ganha votos com o discurso de soluções fáceis para problemas difíceis, que tanto agrada a uma direita de pensamento básico, que consegue viver com o paradoxo de acusar os imigrantes de roubarem os seus empregos, ao mesmo tempo que são uns preguiçosos que parasitam a Segurança Social (apesar de terem contribuído com 651 milhões de euros para o sistema, em 2018).
A preocupação com Ventura, sobre questões raciais, começará no dia em que surgir o discurso da “pseudoespeciação”… a tentativa de desumanizar outras raças ou etnias. Aí, sim, temos um problema grave que não deve ser tolerado pelo Parlamento em nenhuma circunstância.
Então, como combater Venturas? A melhor forma de combater o populismo é ter partidos que se voltem a importar com as pessoas.
Enquanto Joacine vai ao Parlamento pedir a restituição do património às colónias, as pessoas estão preocupadas em chegar ao final do mês com dinheiro no bolso. Enquanto o PAN ocupa o espaço mediático promovendo o medo, a pseudociência relativamente ao 5G, as pessoas estão preocupadas por causa da precariedade do seu emprego. Enquanto o PSD e o CDS se perdem nas suas lutas internas, apresentando poucas ou nenhumas medidas para melhorar as condições de vida dos portugueses, as pessoas procuram alternativas a quem não oferece nenhuma. Enquanto se fala na possibilidade de injetar mais umas centenas de milhões de euros no Novo Banco, as pessoas querem mais investimento nas pensões e cuidados de saúde, cada vez mais degradados (facto que, ainda há pouco tempo, era negado pela ministra da Saúde). As pessoas concluem que para os bancos nunca falta dinheiro e para a melhoria dos serviços públicos nunca há.
Há um contrato social entre o Estado e a sua população. As pessoas pagam os seus impostos para obterem bons serviços públicos e para que os seus problemas sejam ouvidos e resolvidos. E quando sentem que esse contrato não é cumprido, surgem os populistas. A corrupção, por exemplo, é um dos factores que mais minam a confiança na democracia (1,2). E, no entanto, Portugal regride nesta área porque pouco faz para resolver este problema. Está na altura de abandonar a hipocrisia, as lágrimas de crocodilo e assumirem a vossa culpa.
Acabo citando um excelente artigo sobre o tema:
“A elite política falha esmagadoramente em ver a sua própria culpabilidade na ascensão do populismo. Na melhor das hipóteses, distancia-se das pessoas comuns e muitas vezes expressa abertamente o ódio por elas. É muito comum ouvir figuras da elite e os seus companheiros de viagem intelectuais descreverem grandes faixas da população como estúpidas, robóticas e inerentemente racistas. Quando a elite adota uma visão tão desdenhosa do público, não se deve surpreender quando devolverem o favor.”