Outra vez a Ordem dos Médicos
Com avaliadores pagos e nomeados por concurso não haveria as habituais desculpas de falta de tempo para apreciar o crescente número de processos disciplinares abertos na OM. Mas esperar por tal é pura fantasia.
Escrevi neste jornal um artigo que saiu a 15 de Janeiro de 2017, relacionado com as então iminentes eleições na Ordem dos Médicos (OM). Nele dizia: “A OM precisa de uma reforma radical para se ajustar à medicina do século XXI e para manter a reputação dos médicos num mundo a evoluir rapidamente.” Também me referi especificamente à importância de separar as funções de protecção dos pacientes das funções associativas da OM e de “profissionalizar” os processos disciplinares. Nos três anos que passaram, o funcionamento da OM no que respeita a assuntos disciplinares e assuntos sobre protecção dos doentes continua na mesma ou possivelmente ainda em pior estado. Pelo menos tem havido relatos mais frequentes na comunicação social. Por exemplo: “Ordem arquivou 861 queixas e suspendeu 16 médicos em 2019”, de Alexandra Campos, PÚBLICO, 27 Janeiro 2020.
Relembro que o trabalho dos conselhos disciplinares é feito em regime de voluntariado, apenas por médicos, sem qualquer participação de avaliadores leigos. Não é pois surpresa que os processos se acumulem e muitos sejam tratados de forma superficial, dadas as dificuldades materiais e de tempo que limitam o trabalho voluntário dos médicos das comissões disciplinares.
Foram há dias eleitos novos corpos administrativos na OM, com mudanças mínimas, sem haver sequer uma lista a propor reformas fundamentais para a modernização da Ordem. Tenho poucas esperanças que uma reforma substancial alguma vez partirá da própria Ordem. Terá que ser uma decisão política, consensual entre os partidos dominantes para passar na AR.
Ou, quando aparecerem médicos com visão para o futuro em números suficientes, poderiam eleger listas que proporiam um aumento substancial das cotas anuais de forma a sustentar um “Departamento Disciplinar” em que os avaliadores dos processos seriam nomeados por concurso, vetados e devidamente pagos pelo trabalho envolvido. E metade dos avaliadores deveriam não ser médicos. Com avaliadores pagos e nomeados por concurso não haveria as habituais desculpas de falta de tempo para apreciar o crescente número de processos disciplinares abertos na OM. Mas esperar por tal é pura fantasia.
Suspeito que situações semelhantes se levantam nas outras ordens profissionais, o que me leva a admitir a possibilidade de o estabelecimento político impor reformas abrangendo todas as ordens. Creio que os utentes de todos serviços, também eleitores, ficariam gratos por tal reforma. Outra fantasia?