A nossa saúde depende da saúde do planeta
Muitos dos desafios globais de saúde que enfrentamos hoje, incluindo as doenças infeciosas e a desnutrição, estão associadas ao declínio da biodiversidade e à brutal degradação dos ecossistemas. A destruição do planeta é a nossa própria destruição – não estamos acima de nenhuma espécie.
Em Portugal e no mundo vivem-se tempos de intensa angústia na sequência da disseminação e impacto na saúde pública de um novo vírus para a espécie humana – o SARS-CoV-2. Enfrentamos uma situação que se agrava todos os dias, e que impõe uma mudança radical das nossas rotinas, enquanto apela a uma atitude generosa em benefício da comunidade. Este é também um tempo de medo, de insegurança, de incerteza, que desencadeará um abalo sem precedentes nos alicerces de um mundo que negligenciou a relação prudente e cúmplice com a natureza, e passou a viver na ilusão de uma soberania absoluta. Uma sobranceria que nos levou mesmo a esquecer que dependemos da natureza e da biodiversidade para o nosso bem-estar e sobrevivência. O ar que respiramos, a água que bebemos, os alimentos que consumimos, os medicamentos que tomamos e a paisagem que nos inspira, são proveitos de um planeta saudável.
É importante refletir sobre o que esta pandemia nos revela da desarmonia que criámos entre a natureza e as sociedades humanas. Não sendo adequado invocar uma correlação absoluta para o caso concreto que vivemos, e reconhecendo o evidente papel de uma maior circulação global, é possível estabelecer uma relação entre a crescente frequência de surtos de doenças, as alterações climáticas e a perda de biodiversidade. O recente relatório global da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas (IPBES) reconhecia que as zoonoses são importantes ameaças à saúde humana, e que as doenças transmitidas por vetores representam aproximadamente 17% de todas as doenças infeciosas, causando cerca de 700.000 mortes por ano.
A comunidade científica vem alertando há muito tempo para os efeitos dramáticos da perda de biodiversidade, enfatizando a decorrente oportunidade para o aparecimento de novos vírus e doenças como a covid-19. A destruição das florestas tropicais e outros ambientes naturais, que abrigam tantas espécies de animais e de plantas (e dentro delas muitos vírus desconhecidos), promovem disrupções profundas nos ecossistemas e libertam os vírus de seus hospedeiros naturais, que precisam de um novo hospedeiro. Muitas vezes, somos nós.
O nosso mundo e os sistemas que suportam a vida no planeta estão ameaçados. A desflorestação, a poluição, a emissão de gases com efeito de estufa, as alterações climáticas, a drenagem de zonas húmidas, entre outros fatores associados às nossas práticas, estão a eliminar espécies e a destruir ecossistemas a uma escala sem precedentes. Muitos dos desafios globais de saúde que enfrentamos hoje, incluindo as doenças infeciosas e a desnutrição, estão associadas ao declínio da biodiversidade e à brutal degradação dos ecossistemas. A destruição do planeta é a nossa própria destruição – não estamos acima de nenhuma espécie.
As últimas duas décadas de surtos controlados terão levado a uma certa complacência; e se é verdade que a ciência nos permite ter confiança no engenho humano e manter a esperança no desenvolvimento de soluções, também é vital reconhecermos que o mundo natural pode desempenhar um importante papel preventivo e mitigador. Conseguiremos sair desta pandemia, mas teremos que nos preparar para outras epidemias, não necessariamente com as mesmas características.
Para além do problema de saúde pública que a crise induzida pela covid-19 significa, impondo urgência em construir de forma colaborativa os mecanismos para proteger as populações humanas, sem esquecer os contextos mais vulneráveis, tornou-se agora mais evidente a necessidade de garantirmos um planeta robusto e resiliente. Precisamos de um mundo em que a conservação da natureza e da biodiversidade, e a adaptação dos ecossistemas às alterações globais, são afinal parte da solução para mitigar as consequências das mudanças antrópicas e das diferentes crises que facilmente antevemos.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico