Micróbios com coroa

São desconhecidas as razões, se é que existem, que levam à combinação de uma explosiva mistura de pedaços de informação genética, feliz para os vírus, e absolutamente dramática para os humanos.

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LUSA/Leszek Szymanski

No espaço de aproximadamente cem anos várias têm sido as ocasiões em que um vírus, graças a um infeliz conjunto de coincidências, se consegue tornar pandémico(1). Tornar-se pandémico, significa que um novo agente infeccioso, para o qual a maioria das pessoas não tem imunidade se espalha pelo mundo. Por outras palavras, quer dizer que o puzzle que constitui o material genético deste vírus o tornou um verdadeiro caso de sucesso – conseguiu conquistar novos hospedeiros, que invade muito facilmente, podendo em muitos hospedeiros não causar doença grave, o que aumenta ainda mais a sua rápida propagação.

A mais grave pandemia de que há memória antes da que vivemos hoje, foi a chamada gripe espanhola. Com as devidas proporções, estamos hoje a viver o que os nossos antepassados viveram, mesmo em cima de outro flagelo que foi a Primeira Guerra. Esta pandemia não terá tido origem em Espanha como o nome sugere, mas eventualmente na Ásia, tendo sido propagada pelas tropas que regressavam às suas casas. Estima-se que este temível vírus tenha causado a morte a pelo menos 50 milhões de pessoas, de todas as nações, idades ou condição (1). O conhecimento e meios disponíveis eram então bem mais limitados do que hoje, e a própria Guerra facilitou o caminho ao vírus. As casas, onde muitas vezes tinham morrido famílias inteiras eram encerradas para desinfestação. Como agora, o isolamento era a melhor e quase única defesa.

São desconhecidas as razões, se é que existem, que levam à combinação de uma explosiva mistura de pedaços de informação genética, feliz para os vírus, e absolutamente dramática para os humanos. Porém, temos que reconhecer que são situações como estas que nos mostram que a mão da natureza é sempre mais forte do que a dos humanos. Com humildade, temos que admitir que, em 2020, com todo o avanço científico e tecnológico de que dispomos, um “simples” vírus deixa-nos paralisados. E não é o medo que nos paralisa, é mesmo a necessidade de enfrentar esta ameaça da melhor forma — por um lado, evitando a sua propagação, por outro, na procura de soluções para a combater — mas isso levará o seu tempo.

Quando ao falar para públicos não especializados se diz que de toda a imensa diversidade de microrganismos que existe, apenas uma pequena minoria é patogénica, isto é, pode causar doenças, há sempre alguns sobrolhos que se levantam, em puro acto de incredulidade… quase que é possível ler o que passa nestas cabeças: “Como é tal possível, se quase sempre que se fala em micróbios é para referir as maleitas que causam ou como é preciso vacinas para nos protegermos deles?!”. É verdade, mas os mesmos poderes que os micróbios usam para fazer mal, são muitas vezes os que usam para fazer bem.

Se tivéssemos que hierarquizar os micróbios em termos de complexidade, teríamos os vírus como os mais simples, seguidos de bactérias, leveduras e bolores, e parasitas. Todos têm o seu papel na natureza e de todos eles os humanos têm beneficiado, de forma consciente ou não. Basta lembrar que o corpo humano tem tantas células microbianas como humanas, ou que a reciclagem dos elementos químicos na natureza, como o carbono ou azoto, envolve necessariamente a actividade de microrganismos. Ou, ainda, que foram os microrganismos que, desde há cerca de três mil milhões de anos, começaram a gerar o oxigénio atmosférico que hoje respiramos e que permitiu a explosão e diversificação de espécies que hoje habitam a Terra. Isto para não falar do que tem sido o uso de microrganismos pela Biotecnologia. Há microrganismos que, esses sim, merecem uma coroa!

(1) Organização Mundial de Saúde

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