A evasão e a gargalhada são as propostas de leitura em tempos de pandemia
Resolver problemas através da leitura é a proposta da biblioterapia. Nesta quarta semana de isolamento, Sandra Barão Nobre dá duas sugestões para ler em casa.
Esta semana, duas últimas sugestões de leitura, com dois propósitos distintos, porém compatíveis: a evasão e a gargalhada. A evasão pelas mãos de uma exímia contadora de histórias, que leva o leitor para ambientes antigos, longínquos e exóticos; a gargalhada por causa do reflexo da sociedade portuguesa devolvido pelas páginas de um livro onde cada leitor se verá. Dois livros escritos em séculos passados, que retratam o que é ser-se humano também no século XXI.
As mil e uma noites, editora E-primatur
Aqui está um daqueles livros que alimentam a imaginação colectiva há séculos — porque a partir dele ganharam vida própria muitas histórias e personagens e se formaram e perpetuaram arquétipos —, mas que poucos lêem, dissuadidos, talvez, pela sua extensão. Porém, a chegada ao mercado de uma excelente edição d’As Mil e Uma Noites, em dois volumes, traduzida para português a partir dos mais antigos manuscritos árabes, é um óptimo pretexto para abraçar esta viagem até à alta Idade Média, quando os sofisticados persas dominavam uma parte considerável do mundo então conhecido.
Além da evasão mental que proporciona em tempos de reclusão, este livro permite combater o preconceito e o medo face a culturas diferentes, promove uma atitude ecuménica, de tolerância e coexistência, sensibiliza para o fosso entre pobres e ricos, potencia inúmeras reflexões sobre a condição da mulher e pode despertar a vontade de contar e escrever histórias. Há quem defenda, ainda, que pode aliviar a frigidez.
Lisboa em Camisa, de Gervásio Lobato, editora Guerra & Paz
Esta pérola da literatura portuguesa esteve injustamente esquecida durante demasiado tempo, mas voltou em grande às livrarias nacionais há pouco mais de dois anos. Não percam a oportunidade de se divertirem e rirem até às lágrimas enquanto acompanham a história das caricatas famílias Antunes, Martim e Torres que habitaram Lisboa no final do século XIX, mas podiam muito bem ser os vossos familiares próximos, amigos, vizinhos ou colegas de trabalho dos dia de hoje e em qualquer parte do país.
Lisboa em Camisa potencia não só a reflexão sobre o que é ser português, mas também sobre o que é a verdadeira natureza da vida, que quase nunca é tão glamorosa como alegamos. Há um potencial catártico no aceitar das verdades que se dizem a brincar — o alimentar de falsas aparências, os tiques arrivistas, o mexerico, a intriga e a ingerência na vida alheia, a necessidade de protagonismo ou o recurso à velha cunha, por exemplo. E saber rir de nós mesmo é uma virtude.
Boas leituras!