Covid-19: E se a resposta também estiver no intestino?
Estarão as respostas imunológica e metabólica no indivíduo infetado com o novo coronavírus dependentes de outros microrganismos que habitam o nosso intestino? É uma pergunta à qual o nosso grupo de investigação, em parceria com diferentes investigadores e hospitais do país, irão responder.
Para causar uma doença, um microrganismo tem de: ser encontrado em todos os indivíduos que manifestem a doença; crescer em meios de cultura próprio, quando isolado do indivíduo doente (hospedeiro); poder estar presente num indivíduo saudável, que irá manifestar o padrão de doença do indivíduo dador. Estes são os postulados do microbiólogo alemão Robert Koch, publicados em 1890, e que vigoram até hoje.
Nos últimos 15 anos, assistimos a um crescimento exponencial de publicações científicas que mostram a importância do microbiota intestinal na condição de saúde ou de doença. E, em 2016, surge a possibilidade de a obesidade ser uma doença infeciosa, até contagiosa. Na verdade, o que a ciência nos veio mostrar foi que cerca de um terço das bactérias do microbiota intestinal formavam esporos e que, por isso, poderiam ser transmitidas a outras pessoas saudáveis, as quais viriam a manifestar, mais tarde, a doença. Os resultados destes estudos alertaram ainda para a necessidade de lavar bem as mãos com sabão, uma vez que os esporos seriam resistentes ao álcool. Recomendação muito conveniente nos dias de hoje.
Iniciamos o ano 2020 com uma forte e importante reflexão que compilou todos estes conhecimentos e evidências dos últimos anos, reinterpretando as doenças crónicas, não comunicáveis, como ‘doenças comunicáveis’. Ou seja, transmissíveis. Falamos de obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, cancro, doenças neurodegenerativas, entre muitas outras, que se associam a uma disbiose, isto é, à alteração do microbiota intestinal. Na verdade, cumprem-se os quatro postulados de Koch.
Mal se imaginava como esse seria também o grande desafio da covid-19: o contágio.
Será que esta pandemia reforçará uma necessidade que já se previa, a do afastamento social, uso de máscara e reforço das exigências de higienização das mãos?
Com a chegada à Europa da covid-19, ficou muito claro que a severidade da doença era só para alguns. A vulnerabilidade não é igual para todos. Há os chamados grupos de risco, como os doentes hipertensos, obesos, diabéticos, entre outros. Ora, se estas doenças estão associadas a uma disfunção do microbiota intestinal e se esta disfunção sustenta, em grande parte, os mecanismos associados às doenças, não será esta também uma razão para que estes indivíduos sejam mais suscetíveis à covid-19? Não só pela próxima relação do microbiota intestinal com a função imunológica, como também pelo processo que permite a entrada do novo coronavírus na célula.
Estarão, afinal, as respostas imunológica e metabólica no indivíduo infetado com o novo coronavírus dependentes de outros microrganismos que habitam o nosso intestino? Perguntas às quais o nosso grupo de investigação, em parceria com diferentes investigadores e hospitais do país, irão responder. Nesse momento, poderemos estar no caminho para novas estratégias de intervenção.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico