A resposta à crise é agora
Este é o tempo para uma estratégia económica que pense o território, a crise climática, a necessidade de reindustrialização e de soberania alimentar, de uma política que seja capaz de corrigir os desequilíbrios estruturais do nosso país. E que, ao fazê-lo, imponha uma economia justa onde até hoje existiu desigualdade.
O debate público está marcado por dois tempos artificiais: o das medidas urgentes para resposta à crise pandémica e o das subsequentes medidas de reconstrução da economia. Ora, tanto quanto sabemos, a crise pandémica será prolongada. Mas, mesmo que assim não fosse, a pergunta fundamental é a mesma: conseguimos manter emprego? Esta sequência artificial cria ainda a ideia de que a definição da estratégia económica fica para mais tarde. Na verdade, não é assim.
Se houver Europa, é agora
O debate europeu é agora. Deixar que a suspensão de regras dos tratados sirva para bloquear o debate da própria revogação dos tratados é repetir a resposta errada à crise financeira de 2007/08. Se a despesa para salvar vidas for financiada com doze zeros de nova dívida e vagas promessas de mudanças futuras, a imposição de cortes para o regresso da “normalidade” dos tratados não tardará muito.
O Bloco de Esquerda apresentou a proposta de financiamento do Fundo Europeu de Recuperação com 1,5 biliões de euros, através do BCE. Um financiamento a distribuir de acordo com os impactos da crise em cada país, com juro próximo de zero e muito longa maturidade, garantindo aos Estados o dinheiro e o tempo para um investimento capaz de reconstruir a economia. É também agora que o BCE deve mudar de papel, garantindo o recurso a instrumentos monetários básicos.
A crise pandémica atinge com particular violência a Espanha e a Itália, onde as cicatrizes da política da troika estão muito presentes e há uma justificada crise de legitimidade da própria União Europeia. Hoje, como nunca, voltará a pergunta: se a União Europeia não serve para responder a esta crise, serve para quê?
Salário ou austeridade?
As medidas de resposta urgente são já uma escolha sobre o caminho da recuperação. E, neste momento, estão a verificar-se elementos centrais do período da austeridade: desvalorização salarial, nacionalização dos prejuízos e endividamento das empresas e das pessoas.
A desvalorização salarial é consumada pelo desemprego, desde logo dos milhares de trabalhadores precários liminarmente varridos sob a pandemia, grande parte ainda antes da declaração do estado de emergência. Mas também pelo corte salarial operado pelas medidas extraordinárias de lay-off e apoio para acompanhamento dos filhos. Ao fazê-lo, o Estado opera objetivamente uma desvalorização salarial no setor privado.
Simultaneamente, ao não proibir os despedimentos e ao continuar a permitir a distribuição de dividendos, reproduz-se a lógica de nacionalização de prejuízos. Enquanto o Estado assume os custos do desemprego, atual e futuro, os acionistas vão drenando já os lucros, pagos em sedes estrangeiras e guardados em offshore. Mais tarde, as empresas podem sempre despedir e pedir mais apoio ao Estado.
Obrigar à renovação dos contratos precários durante a pandemia e proibir a distribuição de dividendos, como o Bloco propôs, protegeria emprego, salários e capacidade produtiva. Não é sequer inovador: Espanha protegeu os precários, Itália obrigou à reintegração de trabalhadores despedidos no início da crise, a Dinamarca proibiu distribuição de dividendos. Em Portugal, a CMVM apelou às empresas para contenção na distribuição de dividendos e foi ignorada pelo próprio Governo no caso da Galp. Porquê permitir que grandes empresas lucrativas deixem que tanta gente fique sem emprego?
Fazer agora o médio prazo
Nas decisões sobre os setores estratégicos da economia o tempo é também de decisões. Como salvaremos a TAP? Continuaremos a pagar rendas excessivas e custos energéticos que aprofundam a crise social e económica? A Efacec, que respondeu pela produção de ventiladores, acabará a encerrar no meio do pesadelo Isabel dos Santos? E, com a concessão do serviço postal a terminar este ano, os CTT vão continuar nas mãos dos privados que estão a destruir a empresa?
Ninguém questiona a obrigação do Estado de salvar a TAP, a Efacec ou mesmo os CTT. Mas nacionalizações transitórias, à imagem do que se fez na banca, apenas garantem com dinheiros públicos os futuros lucros privados.
Não há resposta à crise sem investimento e estratégia públicas para recuperar setores essenciais. A dimensão do que nos é exigido, face à maior crise do século, obriga a que os esforços de hoje não se dissipem amanhã num qualquer dividendo em offshore.
Agir agora
A resposta a uma segunda vaga da pandemia e à crise social exige responsabilidade. Não vale o velho refrão de que a despesa de hoje será o imposto de amanhã. De facto, o investimento que faltar hoje será a desgraça económica – e o imposto – de amanhã. O que não devemos é tentar reconstruir a economia que tínhamos antes da pandemia. Nem o turismo de massas regressará em breve, nem estava tudo bem.
Esta semana, o Bloco organizou uma conferência online, com dezenas de especialistas de vários quadrantes. Da diversidade de propostas, emerge uma ideia clara: nada seria mais errado do que confundir recuperação com regresso ao passado. Este é o tempo para uma estratégia económica que pense o território, a crise climática, a necessidade de reindustrialização e de soberania alimentar, de uma política que seja capaz de corrigir os desequilíbrios estruturais do nosso país. E que, ao fazê-lo, imponha uma economia justa onde até hoje existiu desigualdade.