O amor nos tempos de quarentena
Testemunho de Ana I. Azevedo, investigadora: “Para quantos de nós o distanciamento social não é sinónimo de isolamento social?”
Nestes 45 dias, sozinha, já me cansei do Teletrabalho, da Telescola, do Telejornal, do Telemóvel, da Televisão e de outros Telecoisos que nem me lembro. Mas em nenhuma altura consegui ainda obter o Tele Amor. Ou Tele Sexo, já agora! Será que a maioria de nós já se esqueceu disso, habituados a viver sozinhos, sem contacto com outros seres humanos neste momento e sem podermos alimentar as relações sociais, o romance e a intimidade?
São 9h da manhã, acordo sozinha porque a gata ainda não conta como pessoa. Decido fazer o meu pequeno-almoço e logo aí me lembro de como isto costumava ser muito mais divertido quando havia um homem com quem partilhar as refeições. E a cama, já agora!
Fui apanhada no meio de uma pandemia, logo depois de ter tido um bom primeiro encontro com um chef de cozinha que conheci numa app. Tínhamos jantar marcado no sábado, que veio a ser o primeiro sábado de quarentena, ainda antes do Estado de Emergência ter sido declarado, e ao qual obviamente não fui! Com alguma pena minha, confesso... Mas, sejamos honestos, a coisa ainda não valia assim tanto a pena para arriscar apanhar coronavírus no segundo date!
Hoje penso se não valeria a pena ter ido, que isto de estar sozinha em casa tem dias verdadeiramente difíceis, mais ainda se forem pessoas de abraços como eu! Numa altura em que 23,1 % dos portugueses vive sozinho e a percentagem de famílias unipessoais tem vindo aumentar pergunto-me: para quantos de nós o distanciamento social não é sinónimo de isolamento social?
Passo o dia a ver séries na Netflix, pratico ioga e meditação, leio mais um capítulo de um livro sobre relações amorosas e pelo meio cozinho apenas para um. Por mais anos que viva sozinha, e já lá vão 20, nunca consegui cozinhar só para um! Quem me conhece sabe que luto muito contra o estigma social do mundo estar formatado a dois e as famílias serem sempre constituídas por dois adultos e uma criança, facto que pode ser facilmente comprovado nos preços dos hotéis, nos menus em promoção nos restaurantes ou nos serviços de entrega, nos bilhetes família do cinema e nas pipocas ou nas entradas com desconto nos museus!
Viver sozinho/a foi uma emancipação que só o capitalismo nos permitiu e parece ser cada vez mais um luxo que só subsiste com ele. E ainda que a solidão seja um dos factores mais prejudiciais ao sistema imunitário, a verdade é que estar sozinho é bem diferente de estar só! Mas se até aqui nunca me senti só, a verdade é que nestes mais de 4o dias de confinamento já me passou muitas vezes pela cabeça se é realmente este o futuro que quero e como terei de aprender a lidar com os efeitos secundários de longo prazo, agora que os amigos até podem continuar sempre lá disponíveis para mim, mas já não estão à distância de um abraço!
Passei o dia sozinha e no final da tarde, assim numa espécie de happy hour romântica decido que é hora de dar uma oportunidade a essa app de online dating com uma chama, que se deve ter inspirado em Camões e no seu fogo que arde sem se ver, e encontro uma funcionalidade desbloqueada que me permite decidir onde quero estar. Decido dar uma oportunidade aos (deuses) Gregos e dou por mim a encontrar um homem com quem gostei de conversar. Mas se dantes já seria difícil passar das palavras ao encontro, agora com os aeroportos fechados a ideia assemelha-se a uma Missão Impossível!
O Amor nos tempos da quarentena tornou-se literalmente numa tarefa que nem o melhor dos soldados seria capaz de executar! Mais do que uma guerra contra o vírus esta é uma guerra contra a falta de Amor!