Bolsonaro e os ecos de Junho
Uma análise recente do instituto brasileiro Datafolha mostrou que o apoio à democracia no Brasil atingiu recordes. Resta saber qual é a democracia desejada pelos brasileiros.
Lembro-me bem daquele 17 de Junho de 2013. Passeava por Brasília com familiares que aguardavam as partidas no Estádio Nacional, construído para a Copa do Mundo de Futebol. Perto dali uma multidão caminhava rumo à sede do Parlamento brasileiro. Com uma câmara na mão, resolvi acompanhá-los. O que vi foram jovens com cartazes contra a desigualdade, bandeiras do Brasil junto às bandeiras de minorias e gritos contra um sistema político que já não atendia às demandas. Depois de horas de protestos pacíficos, os manifestantes ocuparam a cobertura do Congresso Nacional. As imagens impactantes daquele dia marcaram o que ficou conhecido como Jornadas de Junho.
Como se estivessem infiltradas no meio dos jovens, algumas pessoas defendiam a ditadura militar que dominou o Brasil de 1964 a 1985. Naquele momento, essa minoria parecia contida, silenciada. Aos poucos, ela começou a gritar mais alto. Primeiramente durante as manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff. Sete anos depois, esse grupo está no poder. Parte da força de 2013 foi capturada por Jair Bolsonaro, um ex-parlamentar cujo objectivo nunca foi o de melhorar a política, mas, sim, o de subvertê-la.
Não era um segredo, mas a pandemia deixou o plano antidemocrático mais claro. Desde o começo da crise da covid-19, Bolsonaro estimulou manifestações dos seus seguidores. Numa delas, a tossir, o Presidente jurou defender a democracia para apoiantes favoráveis a um golpe militar. Com medo, a única saída para o resto da população, chocada com a incompetência do Governo, era bater panelas nas janelas. Como não se importa com o vírus, no último dia de Maio, Bolsonaro voltou a desafiar o isolamento social, montou a cavalo e desfilou para a claque verde-amarela que o aguardava à frente da sede da presidência. Entretanto, no mesmo dia, uma manifestação em São Paulo furou a quarentena para dizer não ao fascismo. Foi o estopim para uma mudança do cenário político.
Neste Junho de 2020, as ruas voltaram a ouvir vozes a favor da democracia. No primeiro domingo do mês, a indignação foi maior que o medo e milhares de pessoas protestaram contra Bolsonaro em várias cidades. No segundo fim-de-semana, a resposta dos apoiantes do Presidente foi barulhenta. Veio na forma de ataques de fogos-de-artifício ao Supremo Tribunal e numa tentativa de invasão do Parlamento por um grupo autodenominado “300 do Brasil”. Os organizadores de ambos os protestos foram presos e a imensidão de Brasília deixou visível que os “protestos a favor” de Bolsonaro eram estridentes, mas pequenos em comparação aos actos democráticos de 2013.
No último domingo de Junho, apoiantes do presidente reuniram-se novamente na frente do quartel-general do exército para pedir prisão de “comunistas” e “intervenção militar”. Encurralado por denúncias de corrupção, o Presidente não apareceu, mas ainda é cedo para dizer que abandonou as pretensões autoritárias.
Uma análise recente do instituto brasileiro Datafolha mostrou que o apoio à democracia no Brasil atingiu recordes. Resta saber qual é a democracia desejada pelos brasileiros. Políticos de todos os espectros unem-se contra Bolsonaro, jornais e entidades assinam manifestos pela democracia, mas, com a pandemia, as vozes da população não conseguem ecoar como antes. Hoje o optimismo com as Jornadas de Junho parece ingénuo. Uma minoria estridente fez com que o eco mais ouvido desde 2013 não seja o da democracia, mas o do autoritarismo. Qual será o eco de Junho de 2020?