Quadros antigos do século XX

No nosso país, a imitação e falsificação de primitivos portugueses nunca teve expressão alguma no mercado antiquário. Primeiro, porque não houve “escola”. Segundo, porque a cotação de uma obra desse tipo nunca atingiria valores significativos. Terceira de uma série de crónicas dedicadas à pintura.

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1 — Ceia de Cristo em Emaús, 115 x 127 cm, um suposto Vermeer inédito surgido em 1937

Há um conto de Patricia Highsmith (“O grandioso castelo de cartas”) que gira em torno de um personagem paradoxal, um coleccionador de pintura que só se interessa por cópias e imitações dos melhores mestres antigos, por insuspeitados falsos de elevadíssima qualidade que, nos leilões, aparecem como originais excelentes e certificados. Para além de se aplicar a constituir uma colecção privada absolutamente excêntrica e já famosa no seu meio, o gozo maior de Lucien Montlehuc, no exercício “do seu lamentável gosto pelo falso”, era começar a licitar uma pintura em leilão e levar os presentes a absterem-se de o fazer logo em seguida: o arguto “olho” de Lucien nunca se equivocava e, por conseguinte, quadro que concitasse o seu interesse era, certamente, uma imitação ou um falso… O resultado disto constituía ainda um desprestígio para a leiloeira, sobretudo quando os especialistas se debruçavam de novo sobre a obra por ele adquirida e confirmavam que, de facto, se tratava mesmo de uma falsificação. Um Giotto do início do século XIV, porém, viria a arruinar a aura de infalibilidade do “faro” de Lucien. Num leilão em Aix-en-Provence, ele entra em acesa disputa com dois licitadores bem seguros da atribuição de um Anúncio aos Pastores e acaba por arrematar a pintura por um valor altíssimo. Pouco depois, numa sessão com vários experts que consigo traziam, para comparação, uma tábua de Giotto do mesmo período, Lucien verifica, claramente vista, a similitude absoluta da pincelada em ambas as pinturas. Por excesso de autoconfiança, desgraçadamente, tinha adquirido um Giotto autêntico para a sua colecção!

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