“Idiotas úteis”, “Cultura marxista”, “Fascistas”, “Chega”, “Flama”
Miguel Albuquerque teria algumas vantagens em distinguir as verdadeiras matrizes ideológicas dos partidos portugueses para evitar o risco de confusões perigosas.
O presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, afirmou ontem ao PÚBLICO, em defesa de uma aliança do PSD com o Chega, que “Sá Carneiro fez a AD, quando se dizia que o CDS era fascista”. Albuquerque confessa-se “farto dos idiotas úteis do centro-direita que estão sempre a fazer o jogo da esquerda. Em Portugal temos um estigma, um anátema que foi criado pela própria cultura marxista instalada.” Ora, um dos problemas de Albuquerque é, por exemplo, o de enganar-se na caracterização do adversário e pretender que o Bloco de Esquerda defende o regime cubano como se fosse o paraíso. A cultura marxista instalada não pressupõe essas generalizações caricaturais, até porque o radicalismo bloquista entra muitas vezes em choque com os regimes autoritários de esquerda.
Mas o problema principal reside na percepção da diferença de origem histórica entre o CDS – um partido burguês de extracção neo-salazarista – e o Chega, um novel partido populista com tendência xenófoba que, na Madeira, descende do velho separatismo da Flama. Albuquerque teria algumas vantagens em distinguir as verdadeiras matrizes ideológicas dos partidos portugueses para evitar o risco de confusões perigosas.
Mas há outra confusão em que Albuquerque se deixou envolver logo no início da pandemia com o propósito de evitar ondas de contágio entre madeirenses e visitantes da região. Simplesmente, o tom verbal utilizado acabou por revelar uma hostilidade porventura involuntária em relação aos visitantes, como se estes fossem culpados da arriscada ousadia de visitar a Madeira e o Porto Santo.
Entretanto, o Tribunal Constitucional (TC) vetou como “inconstitucionais” as quarentenas impostas aos visitantes dos Açores. Mas enquanto o Governo socialista açoriano optou por uma reacção relativamente branda – exigindo ao TC uma clarificação legislativa –, o seu homónimo madeirense entrou em confronto directo com a instância judicial superior em termos invulgarmente agressivos – e num estilo que fazia lembrar claramente Alberto João Jardim.
A separação física entre as ilhas e o continente presta-se muitas vezes à exacerbação do isolamento quando deveríamos fazer antes todos os esforços para vencer as distâncias. A denúncia do centralismo pode ser um objectivo justo, mas pode também ser um propósito demagógico para justificar a tentação separatista dos poderes locais – reduzidos cada vez mais às suas proporções anedóticas e cercados de mundo por todos os lados.