Tribunal argelino condena jornalista a três anos de prisão por cobrir protestos democráticos
Khaled Drareni noticiou os protestos do movimento Hirak, que abalaram o regime argelino, e foi condenado por pôr em “risco a unidade nacional”. Repórteres Sem Fronteiras criticam decisão “arbitrária e absurda” e alertam para a “deriva autoritária” no país.
Khaled Drareni, que se destacou pela sua cobertura noticiosa dos protestos anti-regime na Argélia, foi esta segunda-feira condenado a três anos de prisão e a uma multa de 50 mil dinares (329 euros) por pôr em “risco a unidade nacional” e “incitamento a ajuntamento desarmado”.
“Khaled Drareni estava apenas a fazer o seu trabalho de informar os cidadãos. Ele não cometeu nenhum crime”, reagiu um dos seus advogados, Fetta Sadat, à Associated Press pouco depois de conhecer o veredicto. Para a advogada, a decisão judicial “é prova de que a justiça argelina não é livre, mas um instrumento nas mãos do poder e que pode ser usada para intimidar os argelinos”, uma vez que a acusação “não tinha caso”.
Durante o julgamento, realizado via videoconferência, por causa da pandemia, o director do Casbah Tribune e correspondente da TV5 Monde, de 40 anos, recusou sempre as acusações e reafirmou a sua inocência, argumentando estar simplesmente a desempenhar o seu trabalho e a exercer o direito a informar. Drareni foi detido pela polícia argelina a 29 de Março e os procuradores pediam uma pena de quatro anos e uma multa de 100 mil dinares (658 euros).
"Apenas fiz o meu trabalho como jornalista independente”, disse Drareni, citado no comunicado dos Repórteres Sem Fronteiras, que o têm apoiado.
Além do jornalista, os juízes condenaram a dois anos de prisão Slimane Hamitouche e Samir Benlarbi, dois activistas do movimento Hirak, que durante semanas ocupou as ruas contra o Presidente argelino Abdelaziz Bouteflika, levando à sua queda e, depois, a eleições presidenciais. O novo Presidente, Abdelmadjid Tebboune, foi eleito num sufrágio com apenas 40% de participação, porque activistas políticos e oposição boicotaram a eleição.
Os Repórteres Sem Fronteiras, com os quais Drareni trabalha, reagiram ao veredicto classificando-o como “arbitrário e absurdo”, chamaram-lhe “perseguição judicial contra um jornalista que é a honra do seu país” e alertaram para a “deriva para o autoritarismo na Argélia”.
E a Amnistia Internacional também não foi menos suave nas palavras. “A sentença do tribunal de hoje [segunda-feira] é uma justiça transvertida e uma clara afronta aos direitos humanos, inclusive ao da liberdade de expressão e de imprensa na Argélia. Khaled Drareni está a ser punido por simplesmente ter tido a coragem de expor a repressão das autoridades contra os direitos de liberdade de expressão e de reunião pacífica”, lê-se num comunicado da organização.
Mesmo com a saída de Bouteflika, que governou o país por 20 anos, os militares continuaram a dominar a política argelina e os críticos do regime sempre avisaram que a sua saída não seria suficiente para uma verdadeira transição democrática e que, mais cedo ou mais tarde, o regime iria fortalecer a repressão. E está a fazê-lo usando como justificação a pandemia de covid-19, prendendo jornalistas, activistas e quem critica o regime nas redes sociais, ao ponto das forças de segurança terem detido dezenas de activistas para interrogatório.
E os jornalistas, principalmente aqueles que se posicionaram de alguma forma ao lado dos manifestantes, cobrindo as suas acções, parecem ser os principais alvos. Na semana passada, o jornalista Moncef Ait Kaci, ex-correspondente da France 24, e o repórter de imagem Ramdane Rahmouni foram detidos durante 24 horas, até serem libertados na sequência de uma vaga de protestos e acusações de tentativa de intimidação. E o jornalista Abdelkrim Zeghileche foi novamente preso a 24 de Junho na cidade de Constantine.
Mas também já há condenações. A 14 de Julho, o jornalista Ali Djamel Toubel viu o seu pedido de recurso negado e a sua pena de 15 meses de prisão reafirmada, por ter transmitido imagens que mostravam polícias a agredir manifestantes. Caso que se junta ao do jornalista Belkacem Djir, do canal privado Echourouk News, ao ser condenado a três anos de prisão no âmbito de um trabalho de investigação.
A Argélia está na 146ª posição num total de 180 países no World Press Freedom Index de 2020, dos Repórteres Sem Fronteiras, cinco lugares mais abaixo que em 2019.