Jornal de Hong Kong promete “continuar a lutar” depois da prisão do proprietário
O Apple Daily aumentou a tiragem um dia depois da detenção do milionário Jimmy Lai, rosto importante do movimento pró-democracia, e os habitantes da cidade correram a comprá-lo. Valor das acções da empresa subiu 400% esta terça-feira.
Os primeiros exemplares do jornal Apple Daily ainda não tinham chegado às bancas e já dezenas de residentes de Hong Kong faziam fila para o comprar, mostrando o seu apoio. Em desafio às autoridades, o diário prometeu “continuar a lutar” pelas liberdades e pelos direitos na região administrativa especial um dia depois de Jimmy Lai, proprietário e fundador, ter sido detido sob acusações de “conluio com forças estrangeiras”. A detenção foi encarada como mais um passo na repressão do movimento pró-democracia pelo Governo de Pequim.
“Ontem não terá sido o dia mais negro para o Apple Daily, pois os incómodos, repressões e prisões que aí vêm continuarão a fomentar o medo”, lê-se no editorial desta terça-feira. “Não obstante, as preces e encorajamento de muitos leitores e autores fazem-nos acreditar que enquanto houver leitores, haverá autores, e que o Apple Daily continuará certamente a lutar”.
Apostando no apoio dos residentes de Hong Kong, o jornal aumentou a tiragem diária de 100 mil para 500 mil exemplares e as pessoas começaram a acorrer às bancas ainda de madrugada. Na capa, o jornal usa uma grande fotografia de Jimmy Lai a caminhar algemado com o título: “O Apple vai continuar a lutar”.
“Todos os residentes de Hong Kong com consciência devem apoiar hoje Hong Kong, devem apoiar o Apple Daily”, disse à Reuters Kim Yau, um dos leitores que foi comprar o seu exemplar.
Houve até quem comprasse de uma só vez 50 exemplares, para depois os distribuir gratuitamente. “Uma vez que o Governo não permite ao Apple Daily sobreviver, então nós, como residentes de Hong Kong, temos de o salvar”, disse à AFP o dono de um restaurante. “O povo de Hong Kong ficou ontem muito zangado. Compraríamos até o Apple Daily se estivesse em branco”, garantiu um outro residente, Ping Ng, de 55 anos, citado pelo Guardian.
As acções da empresa de Lai, Next Digital, proprietária do Apple Daily, também valorizaram 400% esta terça-feira, valendo 2,74 mil milhões em dólares de Hong Kong, depois de na segunda-feira terem caído por causa da detenção do milionário. A valorização aconteceu depois de fóruns pró-democracia de Hong Kong terem feito vários apelos para que os investidores comprassem acções em sinal de apoio.
Tudo começou na tarde de segunda-feira, quando polícias, ao abrigo da lei de segurança nacional, fizeram buscas e prenderam Lai. Fotografias do empresário pró-democracia a caminhar na rua algemado viralizaram nas redes sociais e na imprensa internacional. O jornal é muito conhecido pelas suas notícias críticas ao governo de Carrie Lam e do Partido Comunista da China, principalmente desde o início dos protestos pró-democracia, no ano passado.
Lai foi acusado de “conluio com forças estrangeiras”, “sedição” e “conspiração para cometer fraude” e as autoridades apreenderam 25 caixas com documentos no seu gabinete do jornal. Tratou-se da primeira vez que a lei de segurança nacional, vista pelos activistas pró-democracia como uma ameaça, foi directamente usada contra meios de comunicação social.
Mas não foi a única detenção desse dia. Outras nove pessoas, incluindo a outros executivos do jornal e fundadora do grupo pró-democracia Demosito Agnes Chow, de 23 anos, foram presas sob a acusação de terem feito lobby para a China ser alvo de sanções – os Estados Unidos anunciaram na semana passada sanções contra Carrie Lam. A operação policial envolveu 200 polícias, no que foi encarado como demonstração de força de Pequim.
O jornal China Daily, propriedade do Partido Comunista da China, louvou a detenção de Lai escrevendo em editorial que foi o “preço a pagar por dançar com o inimigo” e que o “atraso na justiça não significa a sua ausência”. O Global Times, jornal afecto a Pequim, chegou inclusive a caracterizar Lai como “traidor dos tempos modernos”.
O proprietário do Apple Daily viajava frequentemente para Washington, onde se encontrou pelo menos uma vez com o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, e pediu apoio para o movimento pró-democracia na região administrativa especial chinesa.