Lisboa capital marítima
Um grupo de cerca de cinquenta profissionais ligados ao mar tomaram a iniciativa de lançar um repto no sentido de se agir rapidamente e de forma concertada na construção de uma ação de política pública que permita a Portugal assumir-se e cimentar-se como um destino para a atividade do shipping internacional
Apesar da nossa apregoada vocação marítima, Portugal ocupa a 67ª posição no shipping mundial, atrás de países sem tradição marítima, como Luxemburgo e Bangladesh. Lisboa, que já foi a maior capital marítima mundial, nem sequer é mencionada no conhecido ranking da Menon Economics. No entanto, Portugal, e não só Lisboa, reúne hoje excelentes condições para voltar a ser um grande centro de shipping, bastando para tal a conjugação inteligente de políticas públicas com a iniciativa privada.
O shipping, que infelizmente não tem tradução para português, compreende o transporte marítimo e um conjunto de serviços conexos de natureza técnica, comercial, financeira, jurídica, etc. É o principal pilar da economia do mar azul, circular e sustentável. Na União Europeia, em 2018, a Economia Azul registou cinco milhões de trabalhadores e um valor acrescentado bruto (VAB) de €218 mil milhões de euros, que representam 2,2% e 1,6% do total, respetivamente. Portugal está bem acima da média europeia, com quotas de 5,5% e 3,2%, respetivamente. Contudo, os dados sobre Portugal são particularmente reveladores quando comparamos o peso do transporte marítimo com o de outros países marítimos europeus: VAB de €83M ou 1,4% da Economia Azul em Portugal, contra o Reino Unido com €4.501M ou 10,5%, a Grécia com €1.119 ou 13,3% e a Dinamarca com €4.562 ou 40,2%.
Reconhecendo esta realidade, um grupo de cerca de cinquenta profissionais ligados ao mar tomaram a iniciativa de lançar um repto aos nossos atores públicos (governo, autarquias, regiões) e privados (empresas, associações) no sentido de agirem rapidamente e de forma concertada na construção de uma ação de política pública que permita a Portugal assumir-se e cimentar-se como um destino para a atividade do shipping internacional. Esta iniciativa foi consubstanciada num Livro Branco que elenca um conjunto de medidas a tomar, sobretudo de natureza administrativa, jurídica e fiscal, para colocar Portugal em pé de igualdade com os seus concorrentes europeus. O inegável sucesso do Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR) junto de armadores internacionais, sobretudo europeus, torna possível ambicionar o objetivo razoável de captar 5% do shipping europeu. O impacto estimado é de 100.000 postos de trabalho e de €7 mil milhões ou 3,5% do PIB.
Esta iniciativa surge num momento particularmente oportuno: o Brexit e a alteração do estatuto político de Hong Kong, dois dos maiores centros de shipping do mundo, estão a forçar a relocalização de muitos armadores de referência. Por outro lado, o Plano de Recuperação que o Governo está a preparar para apresentar à Comissão Europeia, com vista à utilização dos fundos europeus disponíveis a partir de 2021, pretende formular uma nova visão para Portugal no horizonte de uma década, servindo de referencial para o modelo de desenvolvimento do país num contexto pós-Covid. Seria imperdoável desperdiçar esta oportunidade para recolocar Lisboa no grupo das cinquenta principais capitais marítimas do mundo.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico