Pinheiro-bravo alimenta indústria poderosa, mas carente de matéria-prima e mão-de-obra
Os vinhos, azeites, bolachas, massas, arroz, fruta e muitos outros produtos que consumimos viajam dezenas, centenas ou milhares de quilómetros assentes em paletes de madeira de pinho até chegar à sua mesa. Até o substracto de base das orquídeas vem da casca do pinheiro. Aproveita-se tudo. É a base de uma fileira moderna e poderosa - 8.516 empresas e 57.843 empregos -, mas carente de matéria-prima e de mão-de-obra.
Os Países Baixos são o maior exportador europeu de flores e um dos principais produtores mundiais de orquídeas. E é para lá que a Madeca, empresa de transformação de madeira sediada em Caxarias, vila sede de freguesia do concelho de Ourém (Beira Litoral), exporta “toda a produção” de casca de pinheiro que transforma destinada à produção daquelas plantas ornamentais.
O administrador desta empresa da região Centro, que detém cinco unidades industriais (entre serrações e unidades de transformação de madeira de pinho para vários fins) e é especializada na produção automatizada de paletes, garante: “82% produção de orquídeas é feita de casca de pinheiro e a nossa produção [desse produto] é toda para exportação para a Holanda”. São “14 contentores por semana” que seguem para aquele país do norte da Europa, revela.
A casca do pinheiro provém da indústria de primeira transformação de coníferas (pinus pinaster e pinus pinea). É um produto orgânico com elevadas performances, quer na incorporação em substractos, quer na preservação e embelezamento de áreas ajardinadas, quer, até, na utilização de biofiltros para eliminação de maus cheiros. É ainda usada como composto para utilização em rações para animais, de modo a facilitar a digestão, explica a empresa no seu website.
Resistência mecânica do pinho português
Paulo Verdasca falou com o PÚBLICO em Tomar. A empresa emprega 127 pessoas, a média de idades “ronda os 30 anos” e em plena pandemia – Março - até “contratou mais oito pessoas” para aquela fábrica de produção automatizada de paletes. A entrada do novo coronavírus em Portugal coincidiu com “a época de maior actividade”, constata o empresário.
Um dos maiores problemas da fileira do pinho – que agrega 8.516 empresas, 57.843 empregos e registou um volume de negócios de 4.348 milhões de euros (2019), de acordo com os números do Centro PINUS revelados esta semana - é mesmo a matéria-prima. Ou a falta dela. O Centro PINUS estima que o défice de madeira de pinho represente 61% do consumo industrial em Portugal, sendo que essa escassez é considerada “estrutural”, ou seja, “indica a possibilidade de corte em função do acréscimo médio anual dos pinhais”.
“A resistência mecânica do pinho português é fantástica e tem vantagens em relação a outros pinhos”, garante Paulo Verdasca. Aliás, “para fabrico de paletes, a madeira mais aconselhável é o pinho”, diz o empresário. Porém, “perdeu-se 27% da área [de pinho] de 1995 a 2015”, segundo Centro PINUS, e “o volume em crescimento do pinheiro-bravo registou um decréscimo de 37% entre 2005 e 2019”. Logo, a escassez de madeira deverá agravar-se.
Volta e meia surgem alertas públicos. Em Junho, a revista científica Nature dava conta que Portugal está entre os países da União Europeia com “desflorestação abrupta” desde 2015. No mesmo mês, as Estatísticas de Uso e Ocupação do Solo referentes a 2018 publicadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e baseadas na Carta de Uso e Ocupação do Solo (COS) produzida pela Direcção-Geral do Território (DGT) concluíram: a área preenchida com floresta, pastagens e matos está a regredir em Portugal, país onde se deu uma variação de 56% no ritmo da área desflorestada no período 2016-2018 em relação a 2004-2015.
O administrador da Madeca assume: “Andamos a correr a Europa toda à procura de solução, porque em Portugal não temos matéria-prima”, lamenta, levantando o tema da “sobre-exploração de recursos” florestais. “Estamos a replantar, mas a velocidade da desflorestação é preocupante”.
Outro estudo divulgado em Junho pelo Centro Pinus apontava uma estimativa: para que seja possível cumprir com as metas da Estratégia Nacional para as Florestas, o sector vai precisar de 564 milhões de euros de investimento até 2034.
Actividade exportadora logo após a fundação
A Madeca compra os pinheiros directamente a proprietários, madeireiros ou empresas de exploração florestal, organiza os cortes, as rechegas (movimentação dos toros ou troncos inteiros de modo a concentrar o material lenhoso junto dos trilhos de extracção), limpezas florestais e transportes da madeira até à fábrica.
Quando foi fundada, em 1952, dedicava-se à compra de matéria-prima e ao fabrico de madeiras serradas para caixas, construção civil e carpintaria. A actividade exportadora surgiu logo após a fundação, principalmente para Espanha. No entanto, o maior incremento nas vendas para o exterior surgiu a partir de 1958, com exportações de caixas para a África do Sul.
Em 1960, com o aumento da procura externa e interna, expandiu o negócio, e criou uma filial em Salvaterra de Magos. E logo começou a perceber que o mercado do Norte de África e Médio Oriente tinham iniciado compras em Portugal e que, por cá, “começaram-se a usar cada vez mais caixas de madeira para a recolha de produtos agrícolas e outras utilizações industriais”.
Nos anos 70, “com as melhores condições de vida que se foram proporcionando em Portugal, e com o aumento da produção industrial, iniciámos o fabrico de paletes de forma manual, que cada vez iam sendo mais utilizadas na indústria”, refere a Madeca no seu site. Na década de 1980 arrancam as exportações de madeiras serradas para paletes, principalmente para os mercados de Inglaterra, Holanda e França.
Em 1990 dá o salto para a produção automatizada de paletes, uma vez que a sua utilização industrial “começou a ser muito requisitada”. E é nessa área que se tem vindo a desenvolver e a investir, com uma nova instalação industrial em Tomar, que o PÚBLICO visitou.
No virar do século, iniciou a transformação industrial de subprodutos, com triagem e tratamento térmico da casca, numa fábrica adquirida perto de Ourém, no Alqueidão.
Em 2016 adquiriu ainda uma empresa de pregagem de paletes, o que lhe permitiu “aumentar muito a capacidade de pregagem, uma vez que aumentou desde a data da sua aquisição, 2010, cerca de 50%”, embora assuma que “ainda pode aumentar mais cerca de 100%”.
Hoje, “continua muito focada nos investimentos industriais na área dos subprodutos (serrim e estilha)” e não está fora de hipótese o investimento numa nova fábrica para transformar a serradura e estilha resultantes da actividade de serração.
"Estamos para o pinhal como estamos para os aeroportos"
Em entrevista ao PÚBLICO, Paulo Verdasca é cáustico: “Estamos para o pinhal como estamos para os aeroportos: já fizemos três projectos e não se constrói nada”, notando que, “desde Michael Porter, que definiu a floresta como um cluster importante para Portugal – eu fiz parte da equipa - e que fez um plano sério para este sector, não se fez nada”.
O administrador da Madeca é vice-presidente da AIMMP - Associação das Indústrias de Madeira e Mobiliário de Portugal. Diz que, “se tivéssemos investido na floresta o dinheiro que se pagou pelos estudos, éramos um país rico”.
Esse estudo, recorde-se, foi encomendado em 1994 pelo ex-ministro da Indústria Luís Mira Amaral ao docente da Universidade de Harvard e especialista em estratégia empresarial. Michael Porter identificou os clusters da exploração e indústria da madeira e da cortiça (gestão florestal incluída) como estratégicos para o nosso país, para além do turismo, do sector automóvel, do calçado, dos têxteis e do vinho.
Além de falta de visão estratégica do poder político e da escassez de matéria-prima, o sector enfrenta dois outros constrangimentos: os custos da energia. “Temos a energia mais cara do mundo, embora se a Justiça funcionasse não era assim, porque esta é uma questão de regulação”, diz Paulo Verdasca.
Além disso, falta mão-de-obra.
A componente empresarial da fileira do pinho representa 81% do emprego e 88% das empresas industriais (8437) do sector florestal. Os últimos dados do Centro PINUS divulgados esta semana indicam que a fileira é responsável por 50% do valor acrescentado bruto (VAB) das empresas industriais do sector e por 44% do volume de negócios das indústrias florestais 50% do valor acrescentado bruto (VAB) das empresas industriais da fileira florestal e por 36% das exportações de bens das indústrias florestais (1.876 milhões de euros em 2019).
“Tem sido difícil a captação de mão-de-obra”, assume o empresário de Tomar, revelando que as necessidades têm sido “supridas à custa de mão-de-obra estrangeira”. “Há muitos paquistaneses no sector”, diz, mostrando ao PÚBLICO que, na sua empresa, homens e mulheres trabalham lado a lado em “igualdade de circunstâncias”.
A Madeca produz anualmente 1,8 milhões de paletes. “Cada palete tem 10 anos de durabilidade média”, explica Paulo Verdasca, desvalorizando a concorrência do plástico. “Não a temo; dou mais valor à sustentabilidade”.
“É um trabalho que gosto de fazer”
Maria Fernanda Ribeiro, 59 anos, trabalha na Madeca há 10 anos. Mas já laborava naquela unidade há 24 quando a Madeca a adquiriu. Soma, pois, 34 anos de trabalho naquela indústria. E não queixa: “Trabalho nas linhas; não há nenhuma discriminação” por ser mulher, garante ao PÚBLICO, notando que o trabalho “é um bocado pesado, mas temos de aguentar”. E assegura que “não mudava”, se aparecesse uma alternativa profissional. “Não mudava de patrão; este é um trabalho que gosto de fazer”.
Nelson Pinhão é muito mais novato. Tem o “12º ano incompleto”. Está na Madeca desde Maio de 2019 e, embora assuma que “há coisas melhores”, em termos profissionais, como mora “pertinho da fábrica” pensa alto e assume para si próprio: “se querias melhor, estudasses”.
O encarregado da fábrica constata: “Temos quatro mulheres nos dois turnos”, um das seis da manhã às 14 horas e outro das 14 horas às 22. Laboram de Segunda-feira a Sexta. As mulheres trabalham “igual aos homens”, garante, explicando que “aparece muita gente à procura de trabalho”.
Regra geral, “as pessoas são cumpridoras em termos de segurança e nós tudo fazemos para evitar acidentes, mas às vezes há descuidos…”, assume José Carlos Matos, que trabalha para a Madeca desde 2012, mas que, a exemplo de Fernanda Ribeiro, “já era da anterior fábrica”.
Apesar dos constrangimentos do sector, a Madeca registou um volume de negócios 19 milhões de euros em 2019. O PÚBLICO perguntou a Paulo Verdasca pelas perspectivas para este ano. “Perspectivas para 2020? Isso ainda é uma incógnita”. Num ano assolado pela pandemia da Covid-19, “só vamos sentir a dor do impacto daqui por uns meses”.