Com o Vicente éramos felizes e sabíamos que éramos felizes
A coisa mais justa que posso dizer do Vicente Jorge Silva é que profissionalmente lhe devo tudo.
A primeira vez que o vi o Vicente foi em Maio de 1983, no seu gabinete do Expresso. Eu tinha ido lá meses antes deixar um artigo de ciência, escrito a meias com outro jornalista, o artigo tinha sido finalmente publicado, o Vicente tinha-o achado bom e decidiu convidar-nos para colaboradores regulares da Revista.
Era “A Revista” do Expresso, mas para nós e para todos os nossos amigos era “A Revista” e não era preciso dizer mais nada. A Revista era, então, o projecto jornalístico mais inovador e mais exigente do país e representava o sonho de qualquer jovem jornalista. Quando saímos dessa reunião caminhávamos sobre uma nuvem e, durante os seis anos que trabalhei no Expresso, sempre com o Vicente, esse sentimento nunca me deixou. E, depois da sua saída para fundar o PÚBLICO, uma aventura em que tive a honra e o prazer de o acompanhar, prolongou-se pelos anos que ele se manteve como director deste jornal.
A coisa mais justa que posso dizer do Vicente Jorge Silva é que profissionalmente lhe devo tudo.
Uma das qualidades raras que o Vicente tinha como jornalista era a sua absoluta recusa em compartimentar a realidade dentro de secções estanques e a sua atenção às novas forças e tendências sociais. O Vicente foi dos primeiros a reconhecer a relevância da cobertura jornalística de áreas especializadas como a saúde, a ciência, a tecnologia ou o ambiente — razão por que criou na Revista uma secção semanal de Ciência, que eu assinei durante anos, e por que criou no PÚBLICO uma secção diária de Ciências, de que fui editor, entre muitas outras iniciativas nesta linha.
Com o Vicente Jorge Silva habituei-me (e penso que a grande maioria dos que trabalharam com ele sentiram a mesma coisa) a trabalhar com prazer, com entusiasmo, com felicidade, com alegria, com imaginação, com humor, com inteligência, com uma feroz independência intelectual e profissional e com uma enorme exigência. Trabalhar com o Vicente era tudo menos um emprego. Se tivesse de usar uma única palavra para representar esse período teria de ser “paixão”. Era excitante trabalhar com o Vicente, era divertido, era desafiante e (perdoe-se a imodéstia) com ele conseguimos fazer coisas admiráveis.
Sim, havia quem confundisse com arrogância a sua pouca paciência para presunçosos e lambe-botas e quem achasse desagradável que ele gritasse e por vezes se enfurecesse. Mas são pessoas que não sabem o que é a paixão.
Com o Vicente éramos felizes e sabíamos que éramos felizes.