Covid-19 vs gripe sazonal nas crianças: investigadores detectaram poucas diferenças

Um novo estudo norte-americano comparou as características clínicas de 315 crianças com covid-19 e de mais de 1400 crianças com gripes sazonais. As taxas de hospitalização, de entrada nos cuidados intensivos e de utilização de ventiladores apresentaram pouca diferença entre os dois grupos. Crianças com covid-19 revelaram mais sintomas na fase de diagnóstico.

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Teresa Pacheco Miranda

Com a chegada do Outono, os hospitais começarão a assistir à circulação, ao mesmo tempo, das gripes sazonais A e B e da covid-19, o que irá dificultar o diagnóstico e prevenção do novo coronavírus. Com poucos dados publicados a comparar directamente as características clínicas das crianças com covid-19 e com gripe sazonal, investigadores do Hospital Pediátrico Nacional de Washington DC (EUA) realizaram um estudo com doentes dos dois grupos. Os resultados mostraram que as taxas de hospitalização, de entrada nos cuidados intensivos e de utilização de ventiladores não apresentaram diferenças estatisticamente significativas. Porém, na manifestação de sintomas há diferenças. 

No estudo, publicado esta semana na revista científica JAMA Network Open, foram analisados os dados clínicos de 315 crianças diagnosticadas com covid-19 entre 25 de Março de 2020 e 15 de Maio de 2020 e de 1402 crianças com diagnóstico de gripe sazonal confirmada laboratorialmente entre 1 de Outubro de 2019 e 6 de Junho de 2020, no Hospital Pediátrico Nacional de Washington DC.

Dos 315 pacientes que testaram positivo para a covid-19, com uma idade média de 9,7 anos, 54 (17,1%) foram hospitalizados, dos quais 18 (5,7%) foram admitidos na unidade de cuidados intensivos (UCI) e 10 (3,2%) receberam tratamento ventilatório mecânico. Entre os 1402 pacientes que tiveram testes da gripe A ou B positivos, com uma idade média de 4,2 anos, 291 (21,2%) foram hospitalizados – 143 com gripe A e 148 com gripe B. Noventa e oito pacientes (7,0%) foram admitidos na UCI, e 27 (1,9%) receberam apoio do ventilador mecânico.

Em ambos os grupos, a febre foi o sintoma mais frequentemente relatado na altura do diagnóstico, seguido de tosse. Uma outra descoberta inesperada do estudo foi que uma maior proporção de pacientes hospitalizados com covid-19, comparativamente à proporção de crianças hospitalizadas com gripe sazonal, referiram febre (76% vs. 55%), tosse (48% vs. 31%), diarreia ou vómitos (26% vs. 12%), dores de cabeça (11% vs. 3%), dores no corpo/mialgia (22% vs. 7%) e dores no peito (11% vs. 3%), como sintomas.

“Não previ isto quando pensei em fazer o estudo”, admite, em comunicado, a investigadora principal do estudo Xiaoyan Song, que é directora do Departamento de Controlo de Infecções e Epidemiologia no Hospital Pediátrico Nacional de Washington DC e professora de pediatria na Escola de Medicina e Ciências da Saúde da Universidade George Washington. “Foram necessários vários momentos de reflexão e de pesquisa de dados para me convencer de que esta era a conclusão”, acrescenta, referindo-se à descoberta de que as crianças com covid-19 revelaram mais sintomas na fase de diagnóstico do que as crianças com gripe sazonal.

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Dado que muito permanece desconhecido sobre a covid-19, a descoberta dos investigadores de que as crianças com a doença apresentam mais sintomas na altura do diagnóstico do que aquelas afectadas pela gripe sazonal, “é uma boa pista do ponto de vista da prevenção e do planeamento”, diz Xiaoyan Song. “Com a covid-19 enfatizamos sempre o reconhecimento e o isolamento precoces. Ter um quadro clínico em mente ajudará os clínicos ao diagnosticarem pacientes com sintomas do novo coronavírus.”

Como também avança o artigo, dos doentes hospitalizados com covid-19, 35 (65%) tinham pelo menos uma condição médica subjacente, significativamente superior aos 121 (42%) hospitalizados com gripe. Os problemas neurológicos devidos a atrasos de desenvolvimento e convulsões foram a condição subjacente mais frequentemente identificada e estiveram presentes em 11 pacientes (20%) com covid-19 e em 24 pacientes (8%) hospitalizados com gripe.

Nenhum doente da amostra analisada no estudo foi hospitalizado com co-infecção de covid-19 e gripe sazonal. Dois pacientes com gripe A morreram e não foram observadas mortes entre os doentes com covid-19 ou gripe B.

Durante o período do estudo, os investigadores notaram um declínio abrupto dos casos de gripe no Hospital Pediátrico Nacional de Washington DC, após o encerramento das escolas locais a 15 de Março de 2020 e as ordens de permanência em casa cerca de duas semanas depois para combater a propagação comunitária da covid-19. A taxa de detecção positiva da gripe diminuiu de 22% na semana que terminou a 21 de Março para 0,3% entre 22 de Março e 6 de Junho, tendo sido detectado apenas um caso de gripe.

Custo e benefício de fechar escolas

Song afirma, na nota enviada à imprensa, que o impacto do encerramento de escolas na propagação da covid-19 entre as crianças é a próxima área de estudo da sua equipa de investigação. “Queremos avaliar o impacto quantitativo do encerramento de escolas para podermos determinar até que ponto o custo do encerramento de escolas e da permanência em casa supera o benefício da redução da transmissão da covid-19 e os encargos para o sistema de saúde.”

Como se pode ler no artigo, a gripe nas crianças tem sido bem descrita. Em contraste, há ainda uma grave escassez de dados pediátricos no que diz respeito à covid-19. Dados iniciais e limitados sugerem que as crianças podem ter menos probabilidades de contrair a doença e que poucas requerem hospitalização ou apresentam febre, tosse ou falta de ar, em comparação com os pacientes adultos. A morte de crianças por covid-19 é rara, contudo, continuam a surgir novas e graves manifestações clínicas que lhe estão associadas, incluindo uma doença rara e grave, denominada síndrome inflamatória multissistémica, que apresenta como sintomas principais febre, problemas gastrointestinais (dor abdominal, diarreia e vómitos), erupção cutânea e complicações cardíacas. No último boletim divulgado pelo Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC), em 15 de Maio, a respeito desta manifestação nas crianças, dava-se conta de 322 casos em todo o mundo.

Foi a pensar no facto de a prevenção da covid-19 poder ser ainda mais complicada durante a época da gripe que a equipa de investigadores realizou este estudo retrospectivo. “A colisão da gripe e da covid-19 este Outono pode significar um aumento das hospitalizações pediátricas. É por isso que é importante tomar a vacina da gripe, porque pode ajudar a retirar pelo menos um vírus respiratório da circulação”, alerta, em conclusão, Xiaoyan Song.

Texto editado por Andrea Cunha Freitas

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