Vamos esperar oito anos mais?
Como é possível afirmar que as nucleares são solução para as alterações climáticas? E como se financia todo este ciclo do combustível até chegar às centrais? Como se pode continuar a divulgar que as centrais são limpas, seguras e competitivas?
Após a informação favorável do Conselho de Segurança Nuclear (CSN) espanhol, o Ministério do Ambiente renovou o funcionamento da central de Almaraz até 2028.
Todos sabemos que as centrais nucleares têm os seus anos de funcionamento contados. Todos os seus trabalhadores sabem que trabalhar numa central não é o mesmo que estar noutra fábrica qualquer, mesmo sem contar com a probabilidade de um acidente maior.
Uma central nuclear não é uma indústria qualquer. É a primeira tecnologia civil com riscos graves que nunca foram resolvidos, embora tenham sido minimizados após cada acidente. Riscos ambientais e também para a saúde impossíveis de escamotear, apesar dos dados oficiais.
Há um ciclo completo que devemos ter em conta sem o qual não se pode produzir electricidade nestas unidades industriais. O combustível empregue procede de uma enorme cadeia de produção com envenenamentos radioactivos que começam com a mineração a céu aberto (obtêm-se sete gramas por tonelada de rochas removidas), continua com o transporte para as fábricas de concentrados, que continuam a gerar efluentes e resíduos sólidos e líquidos radioactivos (denominados estéreis, que permanecem nelas abandonados) e passamos às unidades de enriquecimento, de onde segue o produto para as barras de combustível dos reactores (gerando novos resíduos radioactivos de urânio empobrecido que, como sabemos, se utilizam como recobrimento para todo o tipo de munições e armamento).
Em todo este processo, e ainda sem ter produzido um só kW/h, já se estão gerando enormes quantidades de gases de efeito de estufa, além de milhares, milhares de toneladas de resíduos com altas percentagens de radioactividade, com as consequentes destruições ambientais e mortes induzidas.
Como é possível afirmar que as nucleares são solução para as alterações climáticas? E como se financia todo este ciclo do combustível até chegar às centrais? Como se pode continuar a divulgar que as centrais são limpas, seguras e competitivas?
Em Espanha, todas as centrais hoje em funcionamento (cinco, com sete reactores) foram construídas durante a ditadura (estiveram previstas 40 mas só dez se construíram) e já foram conectadas à rede com a democracia, em 1981, Almaraz e, em 1988, a última, Trillo, ambas nas margens do Tejo.
Tendo sido os prazos de construção entre dez e 15 anos (hoje muito mais devido a questões de segurança, entre outras), e requerendo grandes investimentos económicos que só o Estado pode garantir, as empresas proprietárias procuram, uma vez estes amortizados, alargar o mais possível o seu tempo de funcionamento, para tal pressionando tanto os governos como o próprio CSN.
Hoje, no que respeita Almaraz, a mais envelhecida do parque nuclear espanhol, numa altura de declive mundial desta tecnologia, vão obrigar-nos a esperar mais oito anos até o seu encerramento definitivo (2027 para a Unidade I e 2028 para a Unidade II)
Sabemos que no actual cenário os ganhos são só para as empresas Iberdrola, Endesa e Naturgy que, produzindo electricidade, se descartam das últimas fases e processos de fecho do ciclo nuclear, ou seja, os resíduos radioactivos que foram gerados por elas, o desmantelamento das fábricas e a gestão dos resíduos de alta actividade até daqui a 250.000 anos. Destas fases fica responsável a Enresa (empresa pública) que, já com um enorme défice económico, terá ainda que assumir estes custos. Lá estarão o nosso recibo da luz e o Orçamento do Estado a supri-los.
Almaraz, até hoje, já gerou 2280 toneladas de resíduos radioactivos, sendo além disso também uma produtora de plutónio (cerca de 600 kg por ano) extremamente tóxico e base para produção de armamento nuclear, de que Espanha prescindiu no quadro da sua associação ao Tratado Internacional de Não-Proliferação Nuclear.
Para a Associação para a Defesa da Natureza da Extremadura (Adenex) e o Observatório Ibérico de Energia (OIE), é impensável que as nucleares de Almaraz continuem a funcionar mais oito anos, que recusamos seja chamada vida útil, dada a sua óbvia inutilidade, e exigimos o seu encerramento a um CSN rigoroso com todas as medidas de segurança, dadas as deficiências que mantêm em suspenso as populações.
Qual a gravidade de continuar oito anos mais?
- A actual lagoa de refrigeração está a ficar aterrada e vai perdendo as capacidades necessárias para um funcionamento regular;
- O fenómeno de corrosão que afecta a natureza química dos metais, desconhecido inicialmente, e que é de difícil tratamento e solução, podendo afectar tanto a cobertura dos vasos como até penetrar nas barras de controle;
- O entupimento dos tubos geradores de vapor que, mudados em 1996, estão a chegar ao limite previsto e podem colocar em risco a própria central;
- A impossibilidade de cumprir as medidas pós-Fukushima de prevenção de inundação caso haja alguma ruptura na barragem de Valdecañas;
- O incumprimento das medidas de evacuação adequadas às novas medidas pós-Fukushima que obrigam à realização de simulacros com um raio de 80 kms com Portugal, envolvido nesses;
- O actual funcionamento anormal das bombas de água de refrigeração e a falta de geradores seguros para caso haja algum bloqueio do fluído eléctrico, que pode ser muito grave em articulação com falha do reactor;
- E isso articulado com o desconhecimento do estado do núcleo do reactor e algumas das partes do circuito primário de difícil acesso e verificação factual, só possível com aproximações “estatísticas”.
Porquê colocar as populações em risco mais oito anos?
Para quê aumentar a produção de resíduos altamente perigosos e deixá-los como legado para as futuras gerações?
Porquê continuar a aumentar a contaminação radioactiva a nível planetário?