Marcas na gruta de Los Machos confirmam papel activo das mulheres na arte rupestre
Investigadores espanhóis e britânicos descobriram provas de que também as mulheres tiveram um papel activo na arte rupestre. Na gruta de Los Machos, em Espanha, a equipa encontrou 32 pinturas e, junto a elas, duas impressões digitais – uma pertencente a um homem com, pelo menos, 36 anos e a outra, possivelmente, a uma mulher jovem. O estudo dá, pela primeira vez, uma resposta científica quanto à autoria da arte rupestre.
Recuemos até ao Neolítico, o período histórico compreendido entre 5000 a.C. e 3000 a.C. Num qualquer dia desses anos, na gruta de Los Machos, em Zújar (Espanha), um homem de pelo menos 36 anos, juntamente com uma mulher mais nova, talvez com metade da sua idade, desenhavam formas geométricas, circulares e humanas no topo da parede rochosa, com um pigmento ocre. No total foram 32. Para além das pinturas, deixaram-nos a sua identificação – duas impressões digitais. Foi através da sua análise que, hoje, passados milhares de anos, uma equipa internacional de peritos em arqueologia, geologia e antropologia concluiu que a arte rupestre não ficou circunscrita aos homens, num estudo que, pela primeira vez, deu uma resposta científica quanto à autoria de representações artísticas rupestres.
Saber quem foram os autores desta arte surgida no Paleolítico Superior, há cerca de 40 mil anos, permaneceu até hoje uma das grandes questões da arte rupestre. Estudos anteriores tenderam a concentrar-se mais na arte do que nos artistas, porém, de acordo com investigadores das universidades espanholas de Granada e Barcelona e da Universidade de Durham (Reino Unido), compreender quais os membros da sociedade que participaram na criação dessa arte é crucial para interpretar os contextos sociais em que está envolvida. Este estudo, publicado em meados de Setembro na revista científica Antiquity, apresenta a primeira aplicação de um método paleo-dermatoglífico (análise de impressões digitais encontradas em contextos arqueológicos) para a estimativa do sexo e da idade de dois indivíduos pré-históricos.
Os especialistas estudaram a gruta de Los Machos, em Zújar, na província de Granada, que está localizada na encosta leste da montanha Jabalcón, a uma altitude de 1335 metros. A gruta tem uma abertura virada a este numa parede de calcário com cerca de 100 metros de altura e é pouco aberta e profunda, com cerca de 13 metros de largura e quatro metros de profundidade. O painel pintado está localizado na parte mais profunda da caverna, no topo da parede, e uma vez que a gruta está orientada para este e o vento e a chuva predominantes vêm de oeste, não foi exposta à erosão do vento ou à dissolução dos carbonatos pela água. Desta forma, os investigadores asseguram que o painel está quase completamente preservado.
A sobreposição das pinturas encontradas, que variaram entre formas geométricas, circulares e antropomórficas (algumas exibiam atributos sexuais claros, como seios e pénis) e as diferentes cores dos pigmentos indicam, como avança o artigo, a presença de duas fases de pintura que podem representar dois episódios cronológicos distintos. A adição mais recente (segunda fase) é um pigmento ocre escuro, enquanto a tinta mais antiga (primeira fase) tem uma cor mais clara. As impressões digitais descobertas junto às pinturas pertencem à segunda fase, mais recente.
As marcas foram fotografadas e a partir das imagens recolhidas foi analisada a largura das cristas (linhas que formam a impressão digital) dos dedos, já que o dimorfismo sexual pode reflectir-se nesta medida – regra geral, os homens têm cristas mais largas do que as mulheres. Recolhidos os dados, as medidas das impressões digitais deixadas pelos dois indivíduos foram comparadas com as de 546 impressões digitais actuais do dedo indicador da mão direita de indivíduos espanhóis jovens e adultos, entre os 18 e os 65 anos (304 mulheres e 242 homens).
Ao The Guardian, Francisco Martínez-Sevilla, autor principal do estudo e investigador do departamento de Pré-História da Universidade de Granada, explica que “essas cristas variam de acordo com o sexo e estabelecem-se na idade adulta. Dessa forma, pode-se distinguir entre as dos homens e das mulheres, mas também se pode distinguir pela idade da pessoa”.
Quem era a dupla de artistas?
Segundo o artigo, uma largura média de crista de 0,47 milímetros ou mais indica uma idade igual ou superior a 36 anos (com 85% de precisão) e, além disso, um valor superior a 0,49 milímetros corresponde a homens (com uma precisão de 72%). As cristas da primeira impressão digital encontrada tinham uma largura média de crista de 0,54 milímetros, sugerindo então que pertenceria a um homem adulto de, pelo menos, 36 anos de idade. Já as cristas da segunda impressão digital tinham uma largura média de 0,41 milímetros, e uma largura média inferior a 0,42 milímetros indica, com uma precisão de 70%, que o indivíduo tem menos de 20 anos e uma largura média inferior a 0,43 milímetros corresponderá a uma mulher (com 64% de precisão). Assim, a equipa conclui que algumas das pinturas deixadas na parede de Los Machos pertenciam a um homem de 36 anos, enquanto outras a alguém mais jovem – provavelmente uma mulher com menos de 20 anos.
“Do nosso ponto de vista, se há duas pessoas a participar na criação deste painel pictórico, significa que deve ter sido um acto social e não individual, como pensávamos até agora. Isto mostra-nos que estas manifestações de arte eram sociais e não feitas apenas por um indivíduo da comunidade, como o xamã ou quem quer que fosse”, esclarece o investigador Martínez-Sevilla, citado no artigo do jornal britânico.
Ainda que reconheça que ele e a sua equipa nunca conhecerão a relação entre a dupla de artistas, nem o significado das suas pinturas, o investigador diz ainda que “a área onde se encontram e o facto de não terem sido alteradas ou pintadas dá a sensação de que este [Los Machos] era um lugar muito importante e deve ter tido um valor simbólico realmente importante para esta comunidade.” “Quando olho para estas imagens, há um pouco de resposta emocional, porque vejo uma pessoa, há muitos milhares de anos, a pintar símbolos ou desenhos que teriam significado algo para ela, ou que teriam sido uma forma de se expressar, ou de identificar o território, ou de comunicar socialmente”, confessa.
Para o futuro, o líder do estudo salienta que a metodologia aplicada pela sua equipa servirá para revelar as complexas dimensões sociais que podem ser detectadas noutros locais com arte rupestre em todo o mundo.
Texto editado por Andrea Cunha Freitas