Como nós, a idade traz aos chimpanzés poucos (mas bons) amigos
O comportamento de 21 chimpanzés machos foi seguido durante duas décadas no Uganda. O objectivo foi provar que, tal como os humanos, estes animais seleccionam com quem socializam à medida que envelhecem. Os mais velhos focam-se na qualidade e não na quantidade de amigos, concluiu o estudo.
À medida que o ser humano envelhece, há uma tendência para estreitar o seu círculo de amizades, valorizando aquelas que são positivas, em detrimento de uma ampliação da rede afectiva. Poderia achar-se que este padrão não se generaliza a outras espécies que não têm um conceito de tempo igualmente sofisticado ou a capacidade de antecipar acontecimentos futuros, mas a verdade é que se verificou nos chimpanzés – não fossem eles os nossos parentes mais próximos. Cientistas norte-americanos observaram 21 chimpanzés machos, durante duas décadas, no Parque Nacional da Floresta de Kibale, no Uganda. O estudo, publicado na Science, mostra o que se acredita ser a primeira prova de seres não humanos a seleccionar activamente com quem socializam durante o envelhecimento.
A teoria da selectividade sócio-emocional (SST, na sigla em inglês) foi formulada pela psicóloga e investigadora norte-americana Laura Carstensen em 1991 e explica o declínio nas interacções sociais e as mudanças no comportamento emocional dos mais velhos. A ideia é que, ao perceberem que têm menos tempo de vida pela frente, os mais idosos tendem a afastar-se dos relacionamentos menos gratificantes e a aumentar os seus investimentos emocionais nos relacionamentos que são mais íntimos e significativos. Já as metas afectivas dos mais jovens são mais numerosas, uma vez que o tempo é por eles percebido como relativamente ilimitado.
A questão é: será que estes efeitos, estando ligados a uma consciência da passagem do tempo e a uma percepção consciente da nossa própria mortalidade, serão exclusivos do ser humano? Foi isto que a autora principal do artigo na Science, Alexandra Rosati, que é investigadora e professora assistente de psicologia e antropologia na Universidade do Michigan (EUA), juntamente com os colegas, pretendeu testar, ao analisar os chimpanzés.
“Há realmente uma necessidade premente de compreender a biologia do envelhecimento. Há mais seres humanos a viver mais tempo do que no passado, o que pode mudar a dinâmica do envelhecimento”, diz Alexandra Rosati em comunicado. “O mais interessante é que descobrimos que os chimpanzés estão a mostrar padrões que espelham os dos humanos”, acrescenta.
“Embora os chimpanzés sejam muito inteligentes, não compreendem que vão morrer. É muito mais provável que algo mais se passe nos chimpanzés para explicar porque é que as suas relações se tornam mais positivas à medida que envelhecem”, aponta também em comunicado outro autor do artigo, Richard W. Wrangham, professor de antropologia biológica na Universidade de Harvard, em Cambridge (EUA), e fundador e co-director do Projecto dos Chimpanzés de Kibale. Iniciado em 1987, este projecto centra-se no comportamento, na ecologia e fisiologia dos chimpanzés selvagens, com vista à protecção e conservação da espécie.
O estudo baseou-se em 78.000 horas de observações, quase diárias, feitas entre 1995 e 2016, que analisaram as interacções sociais de 21 chimpanzés machos, com idades entre os 15 e 58 anos, no Parque Nacional da Floresta de Kibale, no Uganda.
Os investigadores olharam apenas para os chimpanzés machos, porque estes mostram laços sociais mais fortes e têm interacções sociais mais frequentes do que os chimpanzés fêmeas. Segundo o artigo, a cooperação entre machos desempenha um papel importante na vida dos chimpanzés, já que estes, entres outros aspectos, formam alianças contra rivais, caçam juntos, partilham comida, e patrulham colectivamente os limites dos seus territórios. Estes laços estreitos entre os machos podem durar uma década ou mais. Já a maioria das fêmeas dispersa-se para novas comunidades quando atingem a maturidade sexual.
Tal como expõe o artigo, para cada ano, os investigadores criaram um índice de associação entre os machos, que se baseou no tempo que cada macho passava perto de outro na comunidade e ainda na frequência a que dois indivíduos se encontravam a menos de cinco metros um do outro. Este procedimento levou à criação de três categorias: amigos mútuos, quando ambos mostraram preferência por estarem perto um do outro; amigos unilaterais, quando um indivíduo mostrou esta preferência, mas o parceiro não; e não amigos, quando nenhum dos indivíduos preferiu associar-se ao outro.
Os resultados mostraram que os chimpanzés de 15 anos tinham, em média, 2,1 amizades unilaterais e 0,9 amigos mútuos, enquanto os chimpanzés de 40 anos quase não tinham amizades unilaterais (0,6), mas tinham, em média, três amigos mútuos. Os chimpanzés mais novos encontraram-se próximos de outros machos em 36,6% das observações, um valor que aumentou para 53,7% nos chimpanzés mais velhos. Portanto, os chimpanzés mais velhos focam-se na qualidade e não na quantidade de amigos.
Assim, as conclusões do estudo indicam que a selectividade social pode emergir na ausência de uma cognição complexa orientada para o futuro e levantam a “possibilidade de estarmos a ver sistemas comportamentais que têm sido partilhados evolutivamente desde há cerca de sete ou oito milhões de anos”, diz Richard Wrangham.
Texto editado por Teresa Firmino