Artes e gastronomia são as armas do Café Lapo contra a pandemia
Apesar de todos os contratempos da pandemia, no Lapo, na lisboeta Bica, aposta-se na vida. A proposta: “alimento para a alma”. O que inclui desde cocktails opinativos (que os há “Contra o Consumismo”, “Contra os Partidos”, “Contra o Medo da Opinião Pública”....) a concertos intimistas, de gastronomias criativas a t-shirts marcantes.
Abriu há pouco mais de um ano e metade da sua vida já foi a tentar sobreviver aos danos que a pandemia causou a todo o sector. Mas isso não levou a que no Lapo – um café, um atelier e uma sala de espectáculos – se baixassem os braços. Qual a receita para continuar a viver este café em ambiente Bica e a dois passos do Adamastor? Há muitos ingredientes e uma filosofia: a tertúlia.
A ideia de António e Bruna Guerreiro, os criadores do café, foi “introduzir a cultura de clube e resgatar o ambiente de tertúlia, que se tem vindo a perder”, explica, ao PÚBLICO, o proprietário. O projecto foi cozinhado pelo casal, durante dois anos e estabeleceu-se na rua Marechal Saldanha, 26 e 28.
O espaço é composto por dois andares. No rés-do-chão, fica a loja com ilustrações da autoria de Bruna e a Sala Provador, onde acontecem espectáculos e jantares intimistas. No 1.º piso fica o café, onde servem refeições e também há exposições itinerantes. “No fundo, gira tudo em torno da cultura e das artes”, resume António, que quis criar “um ambiente propício ao debate de ideias, conversas, partilhas de saberes e experiências”.
Beber cultura
No café, é possível almoçar ou tão-somente relaxar no terraço decorado com foices, alfaias, ancinhos e enxadas, a trazer à memória o Alentejo, região do país por quem o proprietário tem uma grande estima. Ali, é possível, literalmente, beber cultura, provando um dos cocktails de assinatura ou “cocktails filosóficos”, como lhes chama António Guerreiro. “Fazemos corresponder a cada bebida o texto de um autor conhecido”, explica.
Assim, é possível experimentar o “Cocktail contra o Medo da Opinião Pública”, inspirado no livro A Conquista da Felicidade, de Bertrand Russel; o “Cocktail Contra o Consumismo”, inspirado em José Saramago; o “Cocktail Contra os Partidos”, baseado na filosofia de Agostinho da Silva; ou o mais procurado, neste momento, o “Cocktail Contra o Cão Raivoso”, com base numa citação do chefe indígena, Touro Sentado, que diz: “Dentro de mim existem dois cães, um é malvado, o outro é bondoso e os dois lutam um contra o outro a todo o momento. Quando me perguntam ‘qual deles ganha?’, eu respondo: ‘Aquele que eu alimentar mais’.” Na verdade, estas bebidas, acompanhadas de textos, servem um propósito maior: “Incitar à reflexão e à promoção da evolução individual através de estímulos”, acrescenta o proprietário.
Aliás, no Lapo, toda programação é feita a pensar nisso. Uma vez por mês, existe o workshop “Drink and Draw”. Com a mesma regularidade, a “Noite das Galdérias Vínicas”, em que há conversas com um enólogo e ainda o “Quizz Erótico”, onde os clientes podem testar os seus conhecimentos sobre sexualidade. Recentemente, o Lapo passou a ter também meditação guiada pela Irmandade da Rosa, que acontece todas as terças-feiras, ao final da tarde.
“Procuramos proporcionar experiências que valorizamos”, refere António, que, devido à pandemia, teve de fazer algumas adaptações, nomeadamente ao nível dos horários. Dantes, os dois pisos funcionavam em simultâneo. Agora, trabalham alternadamente, ou seja, nas noites em que a Sala Provador abre, o café serve apenas almoços.
“Café à político, sem princípio”
Para aceder à Sala Provador, palco de jantares intimistas, com vista para concertos, stand-up comedy, teatro ou dança, é preciso passar pelo atelier. Na loja, é possível comprar azulejos e T-shirts da marca, com uma vertente de portugalidade e que também procura estimular o pensamento crítico, bem como o despertar de emoções.
A par dos cocktails servidos no 1.º andar, as T-shirts do Lapo recorrem à sátira social. Entre elas, há a T-shirt “Senhor Doutor”, que fala de uma sociedade que valoriza muito as aparências e os títulos; a “Dólar Snake”, que representa a visão materialista da vida e do mundo ou a “Café à político, sem princípio”, para lembrar os eleitos que nem sempre representam os interesses do povo. O humor é usado, igualmente, para elucidar os estrangeiros, que por ali passam, sobre alguns costumes portugueses, inscritos em ímanes: “Em Lisboa, toda a gente conhece uma Maria, um Luís ou um Fernando” ou “Em Lisboa, é normal comer pastéis de Belém ao pequeno-almoço”.
Encontrar uma sala de espectáculos
A Sala Provador, com capacidade para 50 pessoas, só serve jantares e é palco de espectáculos que acompanham a refeição. “A experiência de assistir a um concerto numa sala com estas características é muito mais intensa do que numa grande sala de espectáculos, dada a intimidade que se gera entre o público e o artista”, sublinha o fundador. De quarta-feira a sábado, as noites são dedicadas a jazz, fado ou fado vadio, entre outros.
E, dizem-nos, apesar de todos os contratempos por causa da pandemia, o Lapo tem conseguido fidelizar clientes. E o regresso das pessoas não é de estranhar, uma vez que o projecto faz jus ao seu slogan: “Alimento para a alma”, não se esquecendo, também, de aconchegar o corpo.
No caso da música e gastronomia, as portas abrem às 19h30. A ideia é as pessoas jantarem, assistindo depois ao espectáculo, que começa pelas 21h e se prolonga até por volta das 23h.”O preço é de 35 euros, mas é possível comprar apenas o bilhete para o concerto – o de jazz custa 10 euros e o de fado, 15. “Este projecto ainda está a 10% do seu potencial”, conclui o proprietário.
A Fugas jantou e assistiu a uma noite de fados a convite do Lapo