Porque é que a presidência portuguesa da UE será bem sucedida
A boa notícia para o Governo português é que não precisa de deitar fora as prioridades que estabeleceu até agora para a sua Presidência da União Europeia.
Passaram-se 13 anos desde que o Governo português assumiu pela última vez a Presidência da UE, em 2007. Olhando para trás, para aquela época pré-crise financeira, pré-crise dos refugiados, em que a UE ainda enfrentava a realidade da vaga de adesões de 2004, embora os desafios desse momento aparentassem ser grandes na altura, esses tempos na Europa parecem-nos em muitos aspectos terem sido mais fáceis do que os da conjuntura actual.
Evidentemente, ninguém teria escolhido o momento de crise que o destino atribuiu a Portugal para assumir o leme da UE no início de 2021. A Europa não só está a lutar contra a segunda vaga de coronavírus, com uma vacina que provavelmente não estará disponível em Janeiro de 2021, como, por essa altura, muitas economias da UE estarão a caminhar para um Inverno profundo de recessão. E para acrescentar sal às feridas económicas, o período de transição da saída do Reino Unido da UE chegará ao fim, com uma possibilidade muito real de não haver acordo sobre os termos da futura relação.
Mas os dados do inquérito à opinião pública europeia encomendado pela ECFR ao Yougov e à Datapraxis em meados deste ano sugerem que esta “Presidência da UE em crise” pode não ser o cálice envenenado que à primeira vista parece. De facto, neste momento, as expectativas dos eleitores europeus em relação à UE e ao modo como querem ver esta a desenvolver a política externa alinham-se fortemente com as inclinações naturais de Portugal.
Como cidadãos de um Estado pequeno da UE, os eleitores portugueses sempre reconheceram as vantagens de uma política externa conjunta da UE – ser parte de uma organização multilateral que amplifica a sua voz num mundo de potências de dimensão continental. Os dados do referido inquérito sugerem que a experiência da covid-19, e do turbulento ano de 2020, aproximou o resto da UE dos portugueses. Os europeus são agora fortemente a favor de uma União Europeia capaz de moldar a ordem internacional pós-crise do coronavírus – 63% dos europeus acreditam que a crise demonstrou uma maior necessidade de cooperação europeia. Em Portugal, este número é de 91%. À pergunta sobre como deveria a Europa mudar depois da crise, a resposta mais comum dos Estados inquiridos, com 52%, foi a de que a UE deveria dar uma resposta mais coordenada às ameaças e aos desafios globais.
Mas embora os eleitores europeus possam agora apoiar os instintos multilateralistas do Governo português, não vêem como protecção suficiente um sistema internacional baseado em regras. Querem realismo nas relações da Europa com os outros actores desse sistema. E verifica-se uma profunda perda de confiança nas relações transatlânticas. Em todos os Estados-membros – excepto na Itália, na Polónia e na Bulgária –, uma maioria de inquiridos afirma que a sua opinião sobre os EUA se tinha deteriorado durante a crise do novo coronavírus.
E, mesmo nestes três países, grandes minorias defenderam a mesma opinião. A proporção de inquiridos que sentiram que os EUA foram um aliado-chave para o seu país este ano é ínfima – sendo a mais alta na Itália, com apenas 6%. E não consideram a China uma alternativa. As percepções da China e da Rússia também se tornaram mais negativas entre quase todos os grupos de eleitores e em quase todos os países. Muitos na Europa culpam a China pelo surto da crise do novo coronavírus, incluindo uma pluralidade em todos os Estados-membros da UE inquiridos, com excepção de Espanha e da Bulgária.
Tendo sentido a sua vulnerabilidade ao longo de 2020 à medida que todos os países se voltavam para dentro, com os sistemas de saúde em dificuldades para obterem os recursos e provisões de que necessitavam para combater uma pandemia, e com privações enfrentadas por muitos países no início do confinamento, os europeus sentem agora que o primeiro passo para lidar com o ambiente internacional incerto é poderem contar consigo próprios. Na Alemanha e em França, em particular, foram reportados fortes aumentos no apoio para que as empresas fossem encorajadas a trazer a sua produção de volta para a Europa: mais de 50% nos dois maiores Estados-membros da UE no que respeita ao abastecimento de material médico, e cerca de 40% em ambos os países para produtos não médicos.
Assim, a boa notícia para o Governo português é que não precisa de deitar fora as prioridades que estabeleceu até agora para a sua Presidência da UE. Num mundo de feroz competição entre os EUA e a China, os eleitores europeus querem ver a UE fazer valer o seu peso nas instituições internacionais a fim de reforçar o equilíbrio das condições de concorrência para a resolução das crises económica e sanitária que estão a ter impacto a nível mundial.
Apoiariam uma UE que se posicionasse como plataforma para o encontro entre actores estatais e não estatais, tais como a OMS, o G7, o G20, fundações e indústrias relevantes para a definição de um caminho a seguir. E com a liderança portuguesa, tanto da UE como da ONU, no início de 2021 as estrelas poderão estar alinhadas para que a UE assuma este tipo de papel e se aperceba do tipo de liderança global que os europeus querem ver.
O repto é que os eleitores têm razão na sua avaliação de que a UE não pode contar com o apoio dos EUA para este reinvestimento no sistema internacional pós-covid. No caso de uma vitória de Biden nas próximas eleições presidenciais dos EUA, embora possa haver apoio moral para revigorar o multilateralismo, o novo Presidente terá de se concentrar principalmente na crise interna no seu país. No caso de uma vitória de Trump, é pouco provável que esta agenda europeia seja escutada na Casa Branca.
Susi Dennison é directora do programa European Power do think-tank pan-europeu European Council on Foreign Relations (ECFR)