É necessário criar uma espinha dorsal mais forte de Unidades de Cuidados Intermédios Respiratórios
A segunda vaga da covid-19 está nitidamente a aumentar a pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente sobre os serviços de Medicina Intensiva. Organizar esta linha de intervenção com suporte respiratório não invasivo é indispensável e os serviços de Pneumologia nacional podem ser a solução.
Os doentes com covid-19 admitidos em UCI (Unidades de Cuidados Intensivos) são a “ponta do iceberg” mas causaram grande atenção mediática em virtude dos riscos da falta de camas e ventiladores de cuidados intensivos.
Duas publicações recentes, que analisam co-morbilidades e riscos de internamento da covid-19 em Portugal, chegaram a conclusões semelhantes: 14,6% dos casos são internados em enfermaria e só 1,3% em UCI.
O que estas duas publicações são omissas (devido à escassez da base de dados da DGS) é em relação às várias terapias respiratórias e farmacológicas que poderão ter alguma influência na taxa de letalidade. Em 93,1% dos casos analisados era desconhecido qual o tratamento de suporte respiratório aplicado (oxigénio ou suporte ventilatório).
Apesar destes recursos serem escassos em Portugal, com uma das taxas de camas de cuidados intensivos por 100 mil habitantes mais baixa da União Europeia (um total de 528 camas, pré-covid-19), por ação do governo português e alguns mecenas foi possível incrementar o número de ventiladores de CI disponíveis para mais de 1500 e chegar às 713 camas de UCI de adultos.
Os números da DGS mostram que na primeira vaga nunca se atingiu a saturação das unidades de CI, não ultrapassando os 50% de taxa de ocupação (máximo 271 em 7 de Abril). Contudo, segundo uma organização norte-americana (que inclui a famosa Universidade John Hopkins) o objetivo de um bom controle da pandemia passaria por um baixa taxa de ocupação (menos de 10%) das camas de internamento.
Em Portugal, depois de um mínimo de 55 casos internados em UCI em 8 de Junho, assistimos a um ligeiro incremento com estabilização entre os 60 e 70 casos durante a 2ª quinzena de Junho e o mês de Julho.
A partir da última semana de Setembro houve uma nova subida destes internamentos em CI atingindo 149 em 17 de Outubro. Nesta semana, várias UCI da área metropolitana de Lisboa reportaram aos “media” situações de total ocupação das suas Unidades de Cuidados Intensivos. Mais recentemente, numa altura em que em 2 de Novembro se contavam 294 casos em UCI (mais do dobro em quase duas semanas), foi a vez de vários hospitais do Norte alertarem para uma situação de colapso eminente.
Quando falamos em controlar esta pandemia é necessário atuar em várias vertentes em simultâneo e ter objetivos bem definidos, auditados e controlados por estruturas em rede, de modo a ter uma painel de controlo em tempo real. Ora, é necessários existirem quatro “tampões” no sistema: para além da atenção máxima de toda a população nas medidas preventivas (com publicidade institucional continuada e mais clara), à Saúde Pública exige-se que, na sua tarefa de rastreio alargado de contactos, reduza os números à entrada no sistema, aos cuidados de saúde primários exige-se que tratem e controlem todos os casos ligeiros (nos domicílios) e despistem cedo os casos que agravam, recorrendo à telemonitorização, quais “enfermarias covid-19 virtuais”; finalmente, nos Hospitais, exige-se que se crie um circuito interno para que os doentes internados em enfermaria tenham de ser transferidos o mínimo possível para as UCI.
Ora existem umas estruturas chamadas de Unidades de Cuidados Intermédios das quais não se tem falado, e que podem assumir um papel essencial neste contexto. A capacidade instalada destas unidades, referida pelo secretário de Estado da Saúde em 13 de Março, era de 593 camas e em 23 de Outubro a ministra da Saúde falava em 566. Dento da tipologia das Unidades de Cuidados Intermédios estão incluídas as Unidades Coronárias, as Unidades de Acidentes Vasculares Cerebrais, etc.
As Unidades Cuidados Intermédios Respiratórios (UCIR-s), são as áreas de excelência de assistência a doentes com insuficiência respiratória aguda que necessitam de suporte respiratório não invasivo (Ventilação Não Invasiva, CPAP-pressão positiva nas vias aéreas superiores ou oxigenoterapia de alto fluxo por cânulas nasais). Em Portugal, em 2015, estimava-se que só 28% dos serviços de Pneumologia tinham camas de UCIR-s. Numa sondagem recente incluindo 45 hospitais, contabilizaram-se 685 equipamentos de suporte não invasivo avançado e 167 equipamentos de oxigenoterapia de alto fluxo. Estes aparelhos poderiam contribuir para apetrechar/reconverter Unidades de Cuidados Intermédios Respiratórias em Portugal.
Estes doentes com covid-19 que são submetidos a estas terapias são a fatia mais importante dos casos internados, mas não se tem falado muito neles, nem conhecemos bem os resultados dos tratamentos (taxa de fatalidade, percentagem de doentes intubados e transferidos para as UCI´s, etc).
Com estes equipamentos de suporte respiratório não invasivo poder-se-á evitar ou atrasar a ventilação mecânica invasiva, reduzindo substancialmente a demanda imediata por ventiladores e camas de Cuidados Intensivos. Aliás, vários autores e vários centros argumentam contra a necessidade de intubação e ventilação invasiva precoces no contexto da Insuficiência Respiratória Aguda da covid-19.
A segunda vaga da covid-19 está nitidamente a aumentar a pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente sobre os serviços de Medicina Intensiva. Organizar esta linha de intervenção com suporte respiratório não invasivo é indispensável e os serviços de Pneumologia nacional podem ser a solução.
A experiência espanhola e italiana, onde estes tipos de ventiladores não invasivos foram utilizados nos serviços de Pneumologia, dentro das UCRI-s, comprovou o benefício desta estratégia. Aliás, recentemente, a Comunidade de Madrid, anunciou, através do seu responsável da Saúde, Enrique Ruiz Escudero, que irá promover o uso e implementação de UCRI-s nos hospitais de Madrid devido aos seus “bons resultados” contra a covid-19.
O SNS necessita também de uma espinha dorsal mais forte de Unidades de Cuidados Intermédios Respiratórios!
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico