A sociedade do eco: estamos a falar para nós próprios?
As nossas opiniões parecem-nos cada vez mais determinantes porque é eliminado, de todo o processo argumentativo, o momento de confronto. Deixou de ser óbvio entender onde está o centro do debate público ou se ele sequer ainda existe: se cada vez nos parece que há mais discussão pública, também cada vez os moldes em que esta ocorre são limitados.
As redes sociais, desde há algum tempo, têm contribuído para a criação de bolhas informativas, de grupos sociais que encontram um espaço fora dos espaços físicos para validar e valorizar as suas experiências. Este fenómeno já era gerado pelos media tradicionais, pela forma como um jornal conservador, por exemplo, apresentava uma visão ideológica sobre, convenhamos, o aumento da imigração. Num exemplo concreto: Rush Limbaugh e a equipa da Fox News admitiram manipular sistematicamente as pessoas em quem os seus seguidores confiavam. Limbaugh apresenta, nos seus programas, o mundo como um binário simples como uma luta dicotómica entre as forças do bem e o mal. As pessoas são confiáveis se estiverem do lado de Limbaugh. Qualquer pessoa de fora é maliciosa e indigna de confiança. É a esta crescente polarização do debate público a que assistimos: quem discute connosco ou está plenamente errado ou inequivocamente certo.
O desarranjo da forma como a informação chega até nós tem-se tornado ainda mais evidente com a pandemia mundial gerada pela covid-19. A maior fragilização individual combinada com uma adaptabilidade enorme dos movimentos sociais às plataformas online - olhamos para a explosão de posts informativos sobre justiça social que se popularizaram durante a pandemia - que rapidamente geram o efeito de echo chamber. O termo em português “câmara de eco” descreve o efeito segundo o qual opiniões ou crenças reverberam por repetições e acabam reforçadas e entendidas como mais socialmente aceitas do que realmente são. As nossas opiniões parecem-nos cada vez mais determinantes porque é eliminado, de todo o processo argumentativo, o momento de confronto. Deixou de ser óbvio entender onde está o centro do debate público ou se ele sequer ainda existe: se cada vez nos parece que há mais discussão pública, também cada vez os moldes em que esta ocorre são limitados.
O debate deixa, assim, de ser com a sociedade mas para a sociedade. Movimentos completamente antagónicos existem e reforçam-se, mas já não têm a necessidade de debater entre si para transformar a realidade material.
Gerou-se na sociedade a redução do espaço para argumentos comprovados cientificamente: na verdade, raramente os encontramos nas nossas bolhas informativas. Na era da especialização científica é-nos pedido que confiemos em médicos, cientistas, etc., apenas para prosseguir com o nosso dia. No entanto, os elementos das câmaras de eco raramente confiam na informação que advém de meios tradicionais. Cria-se aqui o cenário ideal para a manipulação informativa, a disseminação de fake news, que combina a crescente utilização de vocabulário emocional com a desordem política.
Pensamos, nomeadamente, nas análises linguísticas que demonstram que os utilizadores republicanos começaram a usar palavras mais emotivas nos seus feeds à medida que eram expostos a pontos de vista mais liberais. “Com o tempo, vemos aumentos no sentimento negativo expresso em relação aos líderes liberais de opinião”, disse Bail. “O que consideramos ser uma evidência de que um processo como o raciocínio motivado pode estar em andamento, especialmente porque vimos os [sentimentos negativos] aumentarem ao longo do curso do tempo.”
Darmos à tecnologia um poder ideológico ao qual respondemos acriticamente, permitindo que forme a nossa visão sobre o mundo, enquanto ao mesmo tempo vemos a nossa participação condicionada pela ocultação e desvalorização de informação contrária às nossas perspectivas, parece um tanto paradoxal. Quando pensamos que estamos a falar com os outros, estamos a falar para nós próprios?