#VermelhoEmBelém e #EleNão: o que podemos aprender com o Brasil
“O Brasil atual é um país sem rumo, afogado em fake news (…) Não se engane, Portugal, aqui pode acontecer exatamente o mesmo”, alerta a cineasta brasileira a residir em Portugal, Fernanda Polacow, argumentista de Mosquito.
Bocas pintadas com batom vermelho: beijos, caretas, línguas de fora, cigarros pendurados. A minha timeline foi, por estes dias, invadida por estas publicações. Mas ao invés de me deleitar, perdi o sono.
De qualquer forma, como brasileira, tem sido difícil dormir nesta última semana, recebendo as notícias de que, em plena pandemia, falta oxigênio em Manaus, capital do estado do Amazonas no norte do Brasil, e que pessoas estão morrendo asfixiadas nas UCIs. Seria irônico se não fosse terrível pensar que falta ar na cidade que é a porta de entrada para a floresta Amazônica, chamada também de pulmão do mundo. E se a situação na cidade é esta, não precisa de grande esforço imaginativo para projetar mentalmente como está a condição dos indígenas que habitam o interior das matas tropicais. Mas esse fato não é surpresa para quem acompanha desde sempre a retórica do atual Presidente da República, Jair Bolsonaro, que proclama frases como: “O índio mudou, tá evol... cada vez mais, o índio é um ser humano igual a nós” (sic).
A frase proferida em Janeiro de 2020 por Bolsonaro é apenas mais uma entre as centenas que seguem compondo a sua narrativa racista, misógina e transfóbica. Se é verdade que ele de fato é tudo isso, também é mais do que verdade que falar em alta voz o que pensa é parte de uma brilhante estratégia de comunicação, que arrebata emoções contra e a favor com tamanha paixão, que assuntos mais importantes na agenda diária do país passam despercebidos da opinião pública.
A estratégia de Bolsonaro não é nova, segue uma cartilha didática, detalhada e empiricamente comprovada que tem mostrado uma eficácia assustadora em países cuja direita fascista tem triunfado. Estados Unidos e Brasil são exemplos próximos que indicam erros e aprendizados que podemos adotar em Portugal se não quisermos que o futuro seja retrógrado, preconceituoso, e acima de tudo, muito perigoso.
Bolsonaro foi eleito também por muitas pessoas não alinhadas com a extrema direita que diziam que ele não faria tudo aquilo que apregoava – tamanhas eram as atrocidades que saíam de sua boca. No entanto, assim como Trump, Bolsonaro segue cumprindo suas promessas. Nunca vimos uma desconstrução tão bem feita e com tamanha rapidez; o Brasil atual é um país sem rumo, afogado em fake news que perpetuam uma desejada polarização que serve para a manutenção desta estratégia tão eficaz que a extrema direita tem implantado.
Não se engane, Portugal, aqui pode acontecer exatamente o mesmo. E tudo indica que assim será, no país de um povo que costuma se autoproclamar “de brandos costumes”, e esquece do seu passado muitas vezes nem tão brando assim.
O presidente do Chega não passa de um “ÚNICO” deputado, como tantos outros que existem no país. No entanto, o seu tempo de antena segue aumentando vertiginosamente a cada fala vergonhosa. E seguirá crescendo enquanto o seu microfone for amplificado por uma sociedade escandalizada e uma comunicação social que não faz a lição de casa. Ou seja, por cada um de nós que continua a alimentar o monstro, mesmo quando o queremos calar. Afinal, nos tornamos uma sociedade de clickbaits.
Se o Brasil provou que não aprendeu nada sobre como se defender de Jair Bolsonaro, que segue com 37% de aprovação e poderia ser reeleito caso tivéssemos eleições hoje, as pessoas, partidos e ativistas dos outros segmentos políticos desviantes da extrema direita podem aprender com os erros do país ao sul.
Jair Bolsonaro também era apenas um “ÚNICO” deputado pelo estado do Rio de Janeiro, que aprovou apenas dois projetos em 27 anos no Congresso, que perambulava pelos corredores falando asneiras e provocando mulheres e comunistas sempre que podia. E, obviamente, dando entrevistas para meios de comunicação, que ecoavam as suas barbaridades. Ele cresceu a uma velocidade absurda, e o resto é história. Uma história recheada de provocações que, eu sei, chocam os portugueses tanto quanto os brasileiros.
O deputado português de extrema direita segue a mesmíssima cartilha. E a frase do batom vermelho da candidata Marisa Matias é apenas um exemplo. Em menos de vinte e quatro horas as redes sociais subiram a #vermelhoembelem e se encheram de homens e mulheres orgulhosos de afirmar publicamente que “eles não passarão”. Mas eles passam. Se por um lado sabe bem estarmos entre os nossos e tatearmos quem somos e pelo que lutamos, por outro caímos imediatamente na estratégia tóxica de quem pensamos estar combatendo.
Me lembro de muitas hashtags que subimos no Brasil desde que a democracia sofreu um golpe em 2016: #elenao, #forabolsonaro, #foigolpe, #nordestecancelabolsonaro, #ditaduranuncamais. Claro que alguns destes movimentos fortificaram certas lutas. Mas, no geral, o governo seguiu seu rumo.
Perdemos, não há oxigênio.
Mas há forma de virar o jogo como acabámos de assistir nos Estados Unidos: o estado da Geórgia, que historicamente teria votado em Trump, teve sua história modificada e uma das principais razões foi o trabalho incansável da advogada Stacey Abrams, que fundou a organização Fair Fight (Luta Justa, tradução livre) que não apenas denuncia falhas no sistema eleitoral americano, como fez um trabalho de formiguinha incentivando minorias e jovens a irem votar.
A conclusão óbvia, em nome do verdadeiro diálogo, é que é preciso sair das redes e falar com as pessoas que o algoritmo nos rouba, fazer um trabalho de base, principalmente apurando a escuta. Mas isso, claro, quando pudermos voltar ao convívio e ao diálogo seguros.
Por agora, talvez seja bom darmos todos um passo atrás e não entrarmos apenas em guerrilhas online. Vale nos unirmos, mesmo que virtualmente, na tentativa de pensarmos em conjunto novas estratégias de combate ao avanço do extremismo, porque este terreno está em aberto e precisa de mentes que queiram decifrá-lo.
No entanto, é fundamental lembrarmos que Bolsonaro venceu uma eleição que teve a maior abstenção em 20 anos. Assim sendo, levantar e ir votar é o que podemos fazer já esta semana.