Entre o juramento da manhã de dia 20 de Janeiro e a celebração televisiva daquela noite, Jill Biden gravou uma mensagem de vídeo a saudar a nação. Acordou na manhã seguinte e reuniu-se com o secretário da Educação nomeado, recebeu na Casa Branca os líderes dos dois maiores sindicatos de professores da nação e manteve uma conversa online com 11 mil educadores de todo o país. Tudo tinha sido cuidadosamente programado pelo pessoal escolhido a dedo pela docente.
No entanto, ao segundo dia como primeira-dama, Jill Biden decidiu fazer uma alteração de última hora na sua agenda. Tinha o seu primeiro passeio oficial para a tarde, com uma visita à clínica de saúde Whitman-Walker, no Distrito de Columbia, para ver como os doentes com cancro estavam a ser apoiados durante a pandemia, mas havia um burburinho sobre as fotografias reveladas na noite anterior, que mostravam membros da Guarda Nacional a dormir em garagens depois de lhes ter sido pedido para saírem do edifício do Capitólio, que mantiveram seguro nos dias que precederam a tomada de posse.
A pedido da primeira-dama, a cozinha da Casa Branca produziu dezenas de biscoitos e envolveu-os em fitas vermelhas, brancas e azuis. Após a visita à clínica que tinha agendado, Jill Biden fez uma paragem sem aviso prévio para visitar um grupo de membros da Guarda Nacional que ainda se encontravam ao frio. “Só queria vir aqui hoje para dizer obrigada a todos vós por me manterem a mim e à minha família a salvo”, disse-lhes. “Eu sei que deixaram os vossos estados natais”, disse, acrescentando que “os Biden são uma família da Guarda Nacional”, lembrando o falecido filho Beau, que serviu na Guarda Nacional de Delaware.
Ou seja, bastaram dois dias e meio de trabalho para que a primeira-dama conseguisse passar a mensagem de que pretende deixar a sua marca. E depressa.
Jill há muito tempo que age como confidente e conselheira do marido — ela foi fundamental na escolha de Kamala Harris para vice-presidente. Com a visita aos efectivos da Guarda Nacional, a primeira-dama mostra que também será pró-activa no seu papel junto da Administração. No entanto, a pasta de Jill Biden provavelmente não se limitará ao aconselhamento informal ao marido e a actos improvisados de boa vontade para com as tropas. Ao ter uma agenda preenchida e ter enchido a Ala Leste de colaboradores, a primeira-dama revela que tem prioridades e quer ser uma presença activa. Por exemplo, uma semana depois da tomada de posse, já estava a reunor com as mulheres e os maridos de todos os governadores de Estado, assim como com um grupo de jovens líderes latinos.
“O que isto me diz é que se trata de alguém que se sente confortável neste papel”, interpreta Anita McBride, que foi chefe de gabinete da ex-primeira-dama Laura Bush. “Diz-me: ‘Estou emocionada e honrada por ter este cargo. Estas são as coisas com que me preocupo. Pretendo ser activa. Pretendo ser visível e pretendo ser um parceiro no trabalho desta administração’”, acrescenta.
Continua a dar aulas e faz história
Jill Biden, tal como já tinha prometido, continua a ensinar Composição Inglesa no Northern Virginia Community College, que retomou as aulas à distância no dia 11 de Janeiro. Segundo os historiadores, Jill é a única primeira-dama da história dos EUA a ter um trabalho remunerado fora da Casa Branca durante o mandato do marido. Eleanor Roosevelt (1884-1962) deu conferências, escreveu uma coluna num jornal e fez uma série de rádio, mas doou os seus ganhos a obras de beneficência.
“Sei como é difícil”, disse a primeira-dama no seu segundo dia de presença numa reunião online com outros professores, recordando as suas funções para este semestre. “Terça-feira de manhã, antes de entrarmos no avião para vir para Washington, eu estive a dar aulas à minha turma”, contou-lhes.
Quando Jill casou com Joe aos 26 anos, disse que estava pronta para ser mãe e professora. E o papel de mulher de um senador? “Isso já não foi tão natural”, recordou durante a reunião que teve com os cônjuges dos governadores. “O primeiro discurso que proferi foi aterrador. As minhas mãos tremiam. A minha voz ficou presa na garganta e tropecei nas minhas palavras.”
Agora, aos 69 anos, não hesitou em assumir o papel de primeira-dama. Tinha a sua equipa escolhida a dedo antes da tomada de posse. As suas principais questões – famílias dos militares, educação e recursos para a investigação do cancro – foram claramente definidas antes da sua chegada, e nas primeiras semanas da nova Administração, reforçou o seu interesse nestas questões com gestos visíveis como a visita Whitman-Walker, a conferência virtual com os professores e a entrega de bolachas aos soldados.
Foi uma mudança no ritmo comparativamente à sua antecessora, Melania Trump, que passou os primeiros três meses da Administração do marido a viver na Torre Trump em Nova Iorque – algo que teve um custo para os contribuintes de pelo menos 125.000 dólares por dia em protecção do Departamento de Polícia de Nova Iorque e dos Serviços Secretos.
Na altura, a ex-modelo explicou que pretendia que o seu filho, Barron, terminasse o ano lectivo, mas, no livro The Art of Her Deal: The Untold Story of Melania Trump, de Mary Jordan, explica-se que Melania também usou esse tempo para renegociar o seu acordo pré-nupcial com o ex-presidente.
“A dra. Biden entra nisto tendo sido segunda-dama há apenas quatro anos e sabendo exactamente o que quer fazer e, até certo ponto, o que é esperado no papel”, diz a chefe de gabinete de Laura Bush.
Comprometida com as causas
O escritório da primeira-dama sempre ocupou um lugar peculiar na cultura americana. É um papel não eleito, não remunerado, sem descrição de funções-padrão, deixando a cada novo ocupante a definição do cargo. Tal como Michelle Obama, com quem trabalhou de perto, Jill parece ansiosa por utilizar o cargo para defender a sua ideia de bem social, como o acesso gratuito ao ensino superior. E também parece desejosa de recriar o tipo de parceria estreita que tinha com Michelle na sua ligação com o segundo-cavalheiro Doug Emhoff.
Jill Biden tem sete funcionários contratados a tempo inteiro – mais, dizem os seus assistentes, do que qualquer primeira-dama anterior. Para sua chefe de gabinete, escolheu Julissa Reynoso, uma nativa da República Dominicana que trabalhou no Departamento de Estado durante a administração Obama e com quem Jill viajou para ver campos de migrantes ao longo da fronteira. Michael LaRosa, que serviu como porta-voz de Biden no decorrer da campanha, assumirá o mesmo papel na Casa Branca. Anthony Bernal, agora conselheiro sénior de Jill Biden, foi director-adjunto de campanha e chefe de gabinete durante a campanha. Gina Lee, associada política da Fundação Biden, é a directora de programação. Para secretário social, Jill recorreu a Carlos Elizondo, que detinha esse título no Observatório Naval quando ela era a segunda-dama.
Os observadores da Casa Branca dizem que a sua familiaridade com estes sete funcionários permitiu à equipa sair logo na primeira semana após a tomada de posse. “Outras primeiras-damas tiveram alguns compromissos precoces. Mas, se a minha memória não se engana, nenhuma tão cedo como a dra. Biden”, refere Myra Gutin, autora de The President's Partner: A Primeira-Dama do Século XX.
Uma das primeiras prioridades de Jill Biden, mesmo antes de o marido ter tomado posse, foi reiniciar a Iniciativa das Forças Conjuntas, um programa que lançou com Michelle Obama em 2011 para apoiar soldados, famílias de militares e veteranos. Rory Brosius, que serviu na equipa de transição de Jill e que foi anteriormente o director-adjunto das Forças Aderentes, foi escolhido para liderar a iniciativa.
Kim Thiboldeaux, do centro Whitman-Walker, recebeu uma chamada da equipa de Jill Biden dois dias antes da tomada de posse. A equipa queria um evento que demonstrasse o compromisso da nova primeira-dama para com os doentes com cancro — e queria que isso fosse feito nessa semana.
A chefe da Comunidade de Apoio ao Cancro, colaborou repetidamente com os Biden e fez parte da direcção da Iniciativa Biden Cancer. Jill tinha telefonado a Kim em privado, no Verão passado, para saber como os doentes com cancro estavam a ser afectados pela pandemia. “Jill disse-me: ‘Conta-me mais, conta-me o que está a acontecer’”, recordou Kim. A primeira-dama “quer aprender, quer compreender” o que se passa, acrescenta. Após o telefonema, de acordo com a mesma fonte, a então futura primeira-dama escreveu mensagens a mais de uma dúzia de doentes com cancro e prestadores de cuidados de saúde, oferecendo coragem e apoio. “Pode-se sentir que ela se preocupa”, diz Thiboldeaux.
"Restaurar a decência"
Anita McBride diz que para qualquer primeiro cônjuge há a questão não negligenciável de se habituar ao novo espaço. Os membros do pessoal da Casa Branca desfazem todas as malas, mas há sempre um ou outro toque a ser dado depois disso. E, em alguma altura, a primeira-dama poderá fazer uma viagem aos subúrbios de Maryland, onde se encontra a colecção de arte e mobiliário da Casa Branca, escolhendo peças para fazer com que a família Biden se sinta mais em casa. Mas, por enquanto, dizem os seus ajudantes, isso não é uma prioridade.
Já os cães, sim, são uma prioridade: os pastores alemães dos Biden, Champ e Major, chegaram à Casa Branca no início da semana passada. Biden calçou as sapatilhas para lhes mostrar os cantos aos jardins e depois confiou os cães ao guarda-chefe do terreno Dale Haney, que cuida dos animais de estimação presidenciais desde a Administração Nixon.
Ao instalar-se na Ala Leste, o mandato de Jill Biden é semelhante ao do presidente: tentar restaurar uma sensação de ordem normal em Washington, no rescaldo desorientado dos anos da era Trump.
“Penso que as primeiras-damas podem causar um enorme impacto”, defende Anita McBride. “Têm um enorme impacto na alma e na consciência da nação. Porque, muitas vezes, podem elevar-se acima da política no calor do momento e ligarem-se a um nível muito humano”, acrescenta.
Myra Gutin pensa que Jill Biden quer recuperar o sentido da consciência da nação. Na campanha, Joe Biden falou muito sobre restaurar a decência e a civilidade na América. A sua mulher, na primeira semana como primeira-dama, parece que quis mostrar como é que isso se faz. Os biscoitos para as tropas da Guarda Nacional foram um começo. “A mensagem é de carinho”, conclui Myra Gutin.