Martin Valderruten, 25 anos, não esperava encontrar ninguém especial enquanto esperava para fazer o teste à covid-19. No local, em Nova Iorque, viu que o amigo que o acompanhava começou a conversar com um homem com uns lindos olhos de um azul-acinzentados. E embora não tenha pensado muito nisso na altura, duas semanas depois, voltaram a cruzar-se. Desta vez, Martin e o até então desconhecido trocaram as moradas do Instagram, e começaram a falar pelo FaceTiming, há já um mês. Tão envolventes quanto os seus olhos de um azul-acinzentado, o homem pediu a Martin para, de maneira a se encontrarem, que faça mais dois testes ao coronavírus, além de duas semanas de quarentena.
Esta é a maior precaução que Martin teve antes do primeiro encontro e é um sinal do quanto o mundo dos solteiros norte-americanos mudou desde que o coronavírus entrou nas nossas vidas, há um ano. Agora, as conversas no Tinder passam por saber com quem é que a pessoa esteve, com quem vive e se está disposta a fazer o teste.
Martin conta que tem sido “desafiador” falar com uma pessoa durante tanto tempo, sem passar pelo contacto físico. Há seis meses, tinha sexo casual com homens que conhecia em apps de encontros, mas depois de o seu pai ter sido hospitalizado com covid-19 no Outono, o jovem deixou as aplicações e passou a ser mais cuidadoso. Agora, acha o namoro emocionante. O dono dos olhos de um azul-acizentado é enfermeiro. “É a sua vida e o seu trabalho que estão em jogo, e quero ter certeza de que estou a proteger a sua vida, os seus valores e tudo o que ele faz”, justifica Martin.
Antes da covid, os solteiros deixavam-se levar pela boa aparência e a espontaneidade. É o que mostram os perfis nas ditas aplicações, construídos por pessoas que se gabam de serem muito viajadas e sempre disponíveis para aventuras. Mas o risco de contrair e espalhar uma doença mortal obscureceu esses desejos. Além disso, a nossa vulnerabilidade e isolamento forçaram a repensar não só os encontros como as prioridades, ou seja, dar importância ao que realmente é importante. Portanto, tornou-se importante encontrar alguém com quem se possa realmente conversar e com quem contar do que alguém que se conhece num dos bares mais badalados da cidade.
A nova realidade significa que, para muitos namorados, o cuidado tornou-se sexy. Assim como a higiene, o respeito pelos limites dos outros, a capacidade de fazer planos com antecedência e a criatividade para improvisar quando esses planos não se concretizam. Afinal, a pandemia deixou claro que nada é certo.
O que procuram os solteiros
Se hoje perguntarmos o que realmente excita, é possível ouvir respostas como: quando alguém tem desinfectante para as mãos no bolso; quando alguém oferece uma máscara nova; quando alguém faz o teste ou concorda em ficar em casa dias antes de um encontro. E o que é que não o excita? Festas, viagens desnecessárias, não usar máscara ou usar uma máscara suja. Na verdade, o ano que passou obrigou os solteiros a aprender algumas lições. Jess McCann, uma especialista em relações e autora de Cursed? diz que muitas vezes tem clientes que “se perguntam por que o Sr. Divertido e Aventureiro também não é capaz de ser o Sr. Previsível, Estável e Confiável?”.
McCann acrescenta que, embora “as mulheres se sintam realmente atraídas por alguém que seja espontâneo, não sabem em que tipo de relacionamento se estão a meter”. Ou seja, o homem que as leva, numa tarde de sábado, a fazer uma escalada pode não ter capacidade para fazer planos com antecedência. Da mesma forma, continua, os homens que a consultam enquanto especialista dizem com frequência que querem uma mulher que seja “superdoce e gentil”, mas também “atrevida”. Ora, diz McCann, estes podem ser traços contraditórios que, geralmente, não vêm no mesmo pacote.
Agora que a pandemia eliminou as partes mais atractivas do namoro, os solteiros “só têm a comunicação e a relação como base de um relacionamento”, constata McCann, que costuma dizer aos namorados: “O relacionamento que uma pessoa tem com sua própria vida, é o relacionamento que o outro terá consigo.”
Antes da pandemia, Kaitlyn McQuinn, uma solteira de 29 anos, namorou muitos homens para quem “a vida é uma aventura” e que emocionalmente não eram muito inteligentes ou conscientes. “Eram muito engraçados e divertidos, foram apenas bons momentos.” Kaitlyn sabia que os seus objectivos a longo prazo não tinham os mesmos objectivos que ela e, então, não se importava. No entanto, a pandemia mostrou-lhe que é possível sentir-se atraída por “homens estáveis, realistas e seguros”. Isto não significa que se diga adeus à diversão. Em tempos de pandemia, “divertido e aventureiro” pode ser redecorar um quarto ou acampar no quintal, exemplifica McCann.
Theresa Causa, enfermeira, experimentou uma nova aplicação de encontros, a S'More, que não mostra as fotografias dos perfis, obrigando as pessoas a trocar várias mensagens até que possam ver a imagem uma da outra. Recentemente Theresa conheceu uma mulher nessa app. “Foi mesmo incrível não ter uma fotografia dela e conversarmos”, refere, contando que estiveram duas semanas a trocar mensagens antes de se verem. Actualmente namoram, à distância, e conversam diariamente.
Logan Ury, autor de How to Not Die Alone, observa que um aspecto positivo da pandemia é que “as pessoas estão a ser forçadas a ter conversas difíceis antes” de começarem um relacionamento, como discutir sobre o coronavírus e o que fazer antes de um primeiro encontro. É útil saber como um potencial parceiro enfrenta um desafio, diz Ury. É da maneira que a pessoa “aprende mais cedo se este é o tipo de pessoa com quem estar e com que pode tomar decisões difíceis”.
Conversas profundas
No ano passado, Tinah Ogalo, de 22 anos, tornou-se mais selectiva. Antes da pandemia, se alguém no Tinder escrevesse um simples “olá” ou até uma frase grosseira, ela responderia. Agora, tornou-se mais “cautelosa e crítica em relação ao que alguém diz na biografia”, testemunha, acrescentando que evita as pessoas que fazem comentários que desvalorizam ou gozam com o coronavírus.
Tinah, que faz o podcast “In Your Twentys”, não estava acostumada a ter conversas profundas no Tinder. Agora ela pratica com a sua colega de quarto. “Se estamos a falar sobre algo ou a assistir a um programa, vou usar as nossas conversas como base para as dos encontros.” Foi assim no Outono: primeiro, conversaram durante um mês e meio antes de se encontrarem para comer fora. “Em quarentena, é bom ter uma pessoa para desabafar. Sou muito dramática e ter alguém como a voz da razão é muito útil.”
O mesmo aconteceu com Martin. Depois de um mês de conversas no FaceTimes, a relação tornou-se mais profunda de uma forma que é nova para o jovem de 25 anos, que confessou os seus receios em relação à saúde do pai, ao que o dono dos olhos de um azul-acinzentado respondeu com a sua experiência hospitalar, testemunhando algumas das coisas difíceis que viu enquanto cuidava de doentes com covid-19. “É bom conversar, em vez de colocar tanta pressão no físico”, refere Martin. “Ele está a conhecendo o meu lado mais verdadeiro.”