Portugal e o Futuro da Europa
A Conferência sobre o Futuro da Europa deve ser entendida como parte de um movimento de iniciativas políticas para um grande reencontro do projeto europeu com as expetativas dos cidadãos. Essa é a melhor resposta que o projeto europeu pode dar ao populismo eurocético que anda por aí.
A presidência portuguesa do Conselho da União Europeia averbou ontem um notável sucesso político ao conseguir desbloquear a tão esperada Conferência sobre o Futuro da Europa, que parecia encalhada. De facto, arrastava-se há mais de um ano um embaraçoso impasse político no Conselho, incapaz de responder à proposta do Parlamento e de se entender quanto à organização e liderança deste evento, que pretende convocar os cidadãos para um amplo debate sobre o futuro do projeto europeu. Graças à habilidade e crescente influência do primeiro-ministro António Costa no palco europeu, a presidência portuguesa superou o bloqueio e conseguiu em apenas meia dúzia de semanas o que a poderosa presidência alemã não conseguiu em meia dúzia de meses.
Compreende-se o sorriso triunfante com que António Costa compareceu ontem em Bruxelas para, na sua qualidade de Presidente do Conselho da UE, assinar com a Presidente da Comissão Europeia e com o Presidente do Parlamento Europeu a Declaração Conjunta pela qual as três instituições se comprometem a organizar esta Conferência e a ela copresidir em pé de igualdade. Alcançado este acordo interinstitucional, já ninguém duvida que a Conferência vai mesmo avançar e que terá a sua emblemática sessão de abertura ainda durante a presidência portuguesa, no dia 9 de maio, dia da Europa.
Como é evidente, o facto de ter sido o próprio António Costa a desbloquear a Conferência desmente, de forma categórica, a tese que Paulo Rangel defendeu repetidas vezes - e em que teimosamente insistiu, contra todas as evidências, ainda esta semana nas páginas do PÚBLICO - segundo a qual António Costa seria um adversário da Conferência a ponto de, alegadamente, ter sido o único a vetá-la no Conselho. O que agora se provou foi o contrário: se a Europa vai ter a sua prometida Conferência é porque António Costa a defendeu e se empenhou pessoalmente em construir a solução que a tornou possível.
Claro, agora que a solução política está encontrada, é fácil dizer que era óbvia, mas a verdade é que nunca o foi enquanto o impasse se manteve. Com paciência e diplomacia, foi necessário construir uma solução que pudesse ser aceite por todos - e isso, inquestionavelmente, é mérito da presidência portuguesa. A ideia de que este sucesso político foi obra de um objetor-de-consciência subitamente convertido aos encantos da Conferência, parece exatamente aquilo que é: uma desesperada tentativa para nos convencer que a teoria estava certa, os factos é que estão errados.
A Conferência sobre o Futuro da Europa é um importante apelo para uma Europa mais participada e democrática, como é anseio dos cidadãos: os dados do Eurobarómetro publicado esta semana mostram que 92% dos inquiridos querem que as suas vozes sejam mais tidas em conta nas decisões relativas ao futuro da Europa e 76% concordam que a realização da Conferência representa um progresso significativo. Todavia, para que a Conferência seja um espaço aberto de debate e participação livre dos cidadãos, não pode enclausurar-se nas instituições europeias, nem ter resultados traçados à partida, incluindo a decisão de avançar para uma revisão dos Tratados. Naturalmente, precisará de uma agenda e de um método de funcionamento que evite o caos e possa ser produtivo, mas o mais importante é que esteja alinhada com as preocupações dos cidadãos e que as instituições europeias se coloquem em “modo de escuta”, para depois exercerem a sua responsabilidade de tomar decisões com a legitimidade própria da democracia representativa europeia.
A par da estratégia europeia de vacinação; da resposta financeira e solidária à crise económica e do alinhamento dos investimentos europeus com os objetivos estratégicos de uma transição verde, digital e justa, a Conferência sobre o Futuro da Europa deve ser entendida como parte de um movimento de iniciativas políticas para um grande reencontro do projeto europeu com as expetativas dos cidadãos. Essa é a melhor resposta que o projeto europeu pode dar ao populismo eurocético que anda por aí a explorar descontentamentos e a semear perigosas ilusões. Mais uma vez, o país da Estratégia de Lisboa e do Tratado de Lisboa dá um contributo importante para o futuro da Europa.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico
Pedro Silva Pereira
Vice-presidente do Parlamento Europeu