Retirar a nacionalidade portuguesa ou controlar a imigração?
Portugal deve receber de braços abertos aqueles que fazem falta, são idóneos e podem contribuir para o progresso do país. Entre a fortaleza e a porta aberta, a virtude estará no meio. A rejeição dos nacionalismos estreitos não deve conduzir à permissividade e laxismo, à porta aberta.
O projeto do Chega, de retirada de nacionalidade portuguesa a quem a tenha adquirido por naturalização e seja definitivamente condenado a penas efetivas superiores a cinco anos não foi admitido na Assembleia da República, em virtude de violar normas constitucionais. O projeto de lei defendia ainda a perda da nacionalidade de pessoas que se naturalizem e mantenham outra, caso “ofendam de forma ostensiva e notória, com objetivo de incentivar ao ódio ou humilhação da Nação, a História nacional e os seus símbolos nacionais”.
Na sua cruzada, o Chega fez tábua rasa da Constituição (foram 13 as violações às normas constitucionais detetadas) e também da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade (entrou em vigor em Portugal em 1/02/2002), que não permite aos Estados retirarem a nacionalidade a quem comete crimes comuns. A imposição da perda ou retirada da nacionalidade, como consequência da aplicação de uma pena, viola o princípio legal ne bis in idem (ninguém pode ser condenado mais do que uma vez pelo mesmo crime).
A rejeição do projeto não dispensa a reflexão sobre os critérios de entrada dos estrangeiros em Portugal e sobre a necessidade de efetivo controlo na imigração, evitando, também, que cá fiquem pessoas sem princípios.
Porta aberta ou fortaleza?
Deverá Portugal ser uma porta aberta, uma espécie de porto-franco ao fluxo de estrangeiros ou, pelo contrário, um bunker, fortaleza inexpugnável onde os imigrantes não possam entrar e permanecer ou, pelo menos, tenham muita dificuldade em fazê-lo, como está subjacente nas posições daquele partido?
Há quem defenda acerrimamente a primeira posição, convictamente, em nome dos princípios da solidariedade e do internacionalismo, da necessidade de ajudar os mais desfavorecidos, possibilitando-lhes o acesso a uma vida melhor, que a Europa permite. Para muitos destes defensores, nem deveria haver controlo de passaportes à entrada nem restrições ao acesso à nacionalidade portuguesa.
Para outros, uma pequena minoria, os estrangeiros trazem consigo toda a sorte de perigos, quer ao nível do terrorismo, quer de religiões fundamentalistas que se afastam do cristianismo, prejudicando também a empregabilidade de quem cá está.
A primeira posição é, além de idealista, utópica. Se Portugal fosse uma porta aberta, não haveria política económica que valesse. É completamente diferente planear e estruturar medidas para uma população de 10 milhões de habitantes do que para uma população três vezes superior. Um dos maiores flagelos de um país que alcançou uma grande projeção internacional, mas que não consegue resolver o problema da pobreza – a Índia –, reside na enorme população que alberga. Enquanto a China, através de uma política de natalidade com foros de crueldade e baseada no princípio “uma família, um filho”, conseguiu proporcionar um nível de vida razoável aos seus cidadãos, a Índia permanece com problemas aparentemente insolúveis, devido ao fator demográfico.
Por outro lado, Portugal está integrado no espaço comunitário, devendo, pelos seus compromissos internacionais, adotar princípios e em alguns casos regras comunitárias bem definidas, no que respeita à entrada e à permanência de estrangeiros, direito de asilo e aquisição de nacionalidade. Não se pode ter sol na eira e chuva no nabal, pretender beneficiar do que é bom, como os generosos subsídios e apoios, e, noutros campos, recusar aquilo com que não se concorda, adotando uma política divergente no âmbito do que se deve pautar pela uniformidade.
O que fazem os outros
No que respeita à entrada e à permanência de estrangeiros, os próprios países do chamado Terceiro Mundo não se coíbem de erigir barreiras que seriam consideradas antidemocráticas na Europa. Por exemplo, clama-se contra as restrições às ondas migratórias do norte de África, contra a desumanidade dos campos de refugiados no sul de Itália e na Grécia, mas países árabes como o Koweit, a Arábia Saudita e outros impedem a entrada dos muçulmanos refugiados, tal como, aliás, sucede com a Rússia, a China e uma larga maioria. Por que razão o clamor universal dos direitos humanos não se estende a tais países com políticas restritivas?
Quanto às ex-colónias, os seus povos adquiriram a independência. Têm nas mãos os seus destinos. Quase todos possuem recursos naturais invejáveis, são muito mais ricos do que Portugal, como é o caso de Angola e de Moçambique. Em tais circunstâncias, os dirigentes devem proporcionar aos seus habitantes condições de vida condignas, em vez de os empurrar para o país que consideram o causador dos seus males e de se apoderarem das riquezas, como o Luanda Leaks revelou.
Aliás, os portugueses que pretendam fixar-se em Angola ou Moçambique passam por um rígido controlo na obtenção de vistos, sendo muito difícil obter a nacionalidades desses países.
Portugal, país generoso
Portugal é hoje um dos países mais generosos do mundo em termos de entrada e de permanência de estrangeiros, bem como relativamente à aquisição de nacionalidade. O imigrante ilegal é premiado pela conduta violadora do ordenamento jurídico e, com alguma facilidade, adquire a nacionalidade portuguesa.
De facto, em vez de se seguir a via legal da obtenção do visto de trabalho, o percurso é outro; os imigrantes entram com visto de turismo, deixam-se ficar, a sua estadia torna-se ilícita. Mesmo assim, obtêm trabalho (quando não podem trabalhar legalmente), número de identificação fiscal e de segurança social e, depois, legalizam a sua permanência, contrariando as regras comunitárias.
Quanto à conceção isolacionista esquece que os próprios portugueses são um povo com fortes tradições de emigração, partindo para todos os cantos do mundo. É certo que a Europa está envelhecida – chavão que corresponde à realidade –, precisa de sangue novo. Por isso, Portugal deve receber de braços abertos aqueles que fazem falta, são idóneos e podem contribuir para o progresso do país. Ou seja, selecionar os que são necessários e não os que parasitam buscando subsídios e apoios.
Entre a fortaleza e a porta aberta, a virtude estará no meio. A rejeição dos nacionalismos estreitos não deve conduzir à permissividade e laxismo, à porta aberta.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico