Em busca das aprendizagens perdidas
Não podemos, de todo, assumir o aumento de tempos ou dias letivos, uma vez que a quantidade não é sinónimo de qualidade.
Uma criança, ainda sem ter ido à escola, já aprendeu a comunicar de diversas formas, a deslocar-se de diversas maneiras, a desenvolver conceitos de causa e efeito, conceitos de quantidade, aumentado e intensificando essas aprendizagens quanto maiores as estimulações em seu redor, sempre pronta a aprender.
Deste modo, percebemos a importância de estimular o desenvolvimento de uma criança com explorações lúdicas, motoras, sensoriais e emocionais, de forma individual e em colaboração com o grupo.
Para tal, o alerta na fase de pandemia de não parar a escola, mas redefini-la no que eram os momentos online para criar experiências e condições aos alunos de intensificarem e garantirem essa estimulação, podendo e devendo essa mesma estimulação ser integrada com abordagens curriculares.
O que discutimos, hoje, é a possibilidade de se recuperarem as aprendizagens, como se de uma demanda em busca de algo perdido se tratasse.
Voltar à escola física, neste 3.º período, resultará, em muitas salas de aula, na enorme ansiedade de se fazerem testes de avaliação no sentido de validar o que não se acredita como válido no online, mesmo reconhecendo todo o esforço tido durante o mesmo. Vemos espoletar pela sociedade a noção de que é preciso recuperar aprendizagens, desde logo, quando se ilustram essas ideias de “recuperação de aprendizagens” como se a escola tivesse estado parada e os alunos com as aprendizagens congeladas durante o ensino remoto.
Assim, falar em recuperação de aprendizagens é falar na desvalorização de todo o trabalho realizado por alunos, professores e famílias, e repetirmos a mesma ideia pelo segundo ano letivo consecutivo.
Devemos entender o contexto e perceber que estamos a atravessar uma pandemia e um Estado de Emergência que é transversal à sociedade, onde a escola, não fica, como sempre, isenta. O trabalho realizado durante dois anos letivos atípicos deve ser reconhecido e valorizado, ou todo o esforço terá sido em vão? Acreditamos que não, acreditamos que aconteceram aprendizagens, terão sido diferentes, mas fundamentais e enriquecedoras para todos. Relembramos ainda que não podemos estar a comparar um ano letivo anterior à pandemia com os dois últimos, e, nesse sentido, compreender que as velocidades e operacionalização da sociedade civil e da escola são diferentes, pelo que não podemos esperar, neste caso, os mesmos resultados com diferentes abordagens.
Outra das interessantes constatações e diagnósticos é que os alunos com maiores dificuldades neste “ensino pandémico” são os mesmos que já se evidenciavam antes da pandemia, muito por existir um ensino que não respeita o ritmo de aprendizagem dos alunos e a diferenciação pedagógica, bem como a flexibilidade curricular para desenhos de aprendizagem significativa. A não-valorização da diferença, a falta de apoios sociais, a falta de recursos e as dificuldades de aprendizagem são outros dos fatores de desigualdade existentes na pré-pandemia. Obviamente, se o ensino remoto tiver apenas replicado o ensino presencial, os resultados alterar-se-ão? Claro que não! A pandemia agudizou essas mesmas desigualdades, tornando-as ainda mais evidentes.
Se na verdade o que estamos a pensar é um processo de redefinição de estratégias para repensar a escola, esta pode acontecer com algumas alterações, desde logo, num claro investimento na valorização dos professores, nos seus processos de formação e desenvolvimento profissional ao longo da vida, com uma melhor qualificação pedagógica na formação contínua e inicial de professores, reformulando os modelos de formação contínua existentes. Além disso, é urgente em qualquer processo transformativo da escola, repensar o processo de avaliação docente, pois este é desadequado, injusto e desequilibrado, pois precisamos de valorizar os docentes que levam a profissão a um estádio de eficiência e valor mais alto e mais longe.
Entendemos que cada escola e cada professor poderá realizar nos tempos vindouros uma aferição interna (não é uma avaliação classificativa) de aprendizagens, personalizada a cada contexto e não algo generalizado pelo sistema educativo. Não devemos procurar classificações de alunos, mas sim olhar para a aferição a ser construída, como um processo de diagnóstico para se saber de onde partir e não onde se chegou. Não se perderam aprendizagens, apenas se desenham planos a partir do ponto que um aluno precisa, mas não devia ser este o processo normal na escola?
Torna-se necessário desenvolver nas escolas planos personalizados de ação, em que se definam os conteúdos ou os conceitos estruturantes de aprendizagem em cada área disciplinar e com base numa efetiva flexibilidade curricular, esta possa (finalmente) ser implementada, encurtando currículos obesos, pensando sempre em competências de aprendizagem.
Outra estratégia fundamental é a aposta nos apoios educativos, criando a figura dos mentores e tutores, que podem assumir par pedagógico com os titulares de turma, apoiando e desenvolvendo atividades diferenciadas nos alunos que manifestam dificuldades de aprendizagem. É premente realçar de uma vez por todas o papel do professor de apoio educativo, como forma mais séria e eficaz de personalizar e individualizar o ensino para alunos que precisam de desenvolver competências específicas e não atribuir apenas mais um horário a um professor para fazer mais do mesmo ou substituições constantes (em muitos casos). Ou seja, este professor seria responsável por criar um guia personalizado para o aluno com base no diagnóstico anterior.
Outra medida fundamental seria a redução de alunos por turma, neste momento as turmas têm demasiados alunos que não permitem aos professores diferenciar da melhor forma as suas estratégias, com ou sem pandemia, solicitar um ensino de qualidade e garantir que um professor tem tempo para o preparar. Curiosamente, ou não, não se consegue um consenso nacional para as políticas educativas e “ainda” não se conseguiu aprovar essa medida, novamente, rejeitada pela Assembleia da República.
Não podemos, de todo, assumir o aumento de tempos ou dias letivos, uma vez que a quantidade não é sinónimo de qualidade. Não é pelo facto de um aluno assistir a mais aulas, ou a mais tempo de aula, que estará a aprender mais ou melhor, pode apenas estar mais ocupado, aliás, isso comprovou-se muito bem no ensino remoto, com as imensas horas síncronas de videoconferências.
Precisamos também de uma desburocratização da escola, pois são demasiadas as tarefas de secretaria entregues aos professores, retirando-lhes o tempo para preparar pedagogia de qualidade, quanto está ocupado em preencher dezenas de grelhas e relatórios desajustados ao seu papel de pedagogo.
Terminar com as turmas de multinível, as denominadas turmas “mistas” no 1.º ciclo do ensino básico. Professores com alunos de 1.º e 2.º anos ou 3.º e 4.º anos, ou até outras combinações, dentro de uma turma, contando já com a diferenciação existente dentro de um só nível, é demasiado para um único professor levar a cabo um trabalho de excelência e eficácia nas aprendizagens.
Aproveitar o tempo que aí vem para criar experiências culturais e artísticas interligadas com literacia e numeracia, seria outra medida de interesse. A ausência de cultura e a constante desvalorização curricular de outras áreas do saber têm demonstrado que o desenvolvimento das soft skills não é o melhor. Não podemos pedir a um aluno para ser criativo e não lhe garantir o máximo de experiências possíveis. A escola não é só e apenas um treino, é o espaço de abertura ao máximo de experiências possíveis, garantindo a ludicidade, atividade física e cultural.
Também precisamos investir mais do que apenas em máquinas, é urgente modernizar as redes de internet das escolas, garantindo uma rede de internet que fortaleça os modelos híbridos de aprendizagem. Igualmente fulcral é não abandonar os percursos digitais que se fizeram até ao momento, pois agora podem ser potenciados presencialmente.
Deste modo, seja num ambiente presencial, seja num ambiente online, o professor tem de ser o referencial e um líder, como referiu Rubem Alves “um professor de espantos”, mas para que o professor o seja tem de ser valorizado, necessita do suporte e dos meios, muitas vezes, não só os visíveis, mas as medidas que ajudam a concretizar a sua missão de moderar aprendizagens.
Continuaremos a alertar para um desenho de escola a longo termo, num acordo nacional educativo, que pense a “escola” como um investimento e não um custo, auscultando em primeiro lugar os seus pedagogos (professores) para um desenvolvimento efetivo de escola.