Já num capítulo adiantado de Guerra e Paz, Tolstoi escreve o seguinte: “O fatalismo na história é inevitável para explicar fenómenos irracionais. Quanto mais nos esforçamos por explicá-los logicamente, mais irracionais e incompreensíveis eles se nos afiguram.” Além de pretender reconhecimento público pela leitura de um calhamaço com mais de mil páginas (perdoem-me os puristas da literatura), resolvi começar com esta pequena transcrição porque revela bem o que este sportinguista pensa sobre a conquista do título nacional pelo seu clube do coração quase 20 anos depois da última vitória. Trocada por miúdos, a conclusão lógica e racional que desenvolvi nas últimas horas é a seguinte: o Sporting é campeão nacional porque aconteceu Sporting.
É certo que podemos enaltecer o extraordinário trabalho desse génio irrepetível que é Rúben Amorim, podemos falar da elegância da força corporizada no capitão Coates como em nenhum outro, podemos até, numa referência da mais elementar justiça, reconhecer mérito a Frederico Varandas pela escolha que fez ou aceitou que fosse feita e pelo estoicismo com que resistiu aos achincalhos permanentes de que foi sendo alvo. Mas isso é a lupa de campeão que tudo inebria com inevitáveis tons verde e brancos, é a mão na taça que desta vez como sempre determinou os heróis ou os vilões, a paixão assolapada ou o ódio visceral.
Sem a lupa de campeão, e recuando até Setembro do ano passado, Rúben Amorim era um rookie inexperiente sem quaisquer provas dadas fanático pelo Benfica. Sebastián Coates era um desajeitado com dificuldades de locomoção e com uma tendência incontrolável para marcar autogolos. E Frederico Varandas era um indivíduo muito prestável e cheio de boas intenções, mas com um nível de competência e de acerto nas decisões quase tão alto como o magnetismo e a eloquência das suas intervenções públicas.
A bola que bate no poste e entra permite estas mudanças ciclónicas, transforma figurantes destinados à nota estatística e ao esquecimento em imortais que farão, aconteça o que acontecer, parte da história centenária do Sporting Clube de Portugal. E isso é ainda mais notável quando percebemos que a História do Sporting, pelo menos a das últimas duas décadas, tem sido um turbilhão, não tem nada de lógico, de racional, não é parametrizável. Não houve uma evolução contínua que esta terça-feira tenha conhecido o seu epílogo previsível, porque há três anos os jogadores e o treinador do Sporting estavam a levar com cintos e com bastões. Que me desculpem os fanáticos dos projectos, mas num clube que ao longo de 20 anos conte sete presidentes e quase 20 treinadores (descontando técnicos interinos), falar em planos e planificações só pode ser uma piada de mau gosto.
Somos campeões pelo indiscutível mérito de um plantel, de um treinador e de um presidente, mas acima de tudo somos campeões porque aconteceu irracionalidade, aconteceu falta de lógica, aconteceu História, aconteceu Sporting. Quando era mais pequeno e me perguntavam por que razão era do Sporting, e não foram poucas as vezes em que isso aconteceu, a resposta não era óbvia e hoje continua a não ser. Sou um apaixonado pelo Sporting e como em qualquer paixão quanto mais nos esforçamos para a explicar logicamente, mais irracional e incompreensível ela se torna.