Menos crédito, melhores recursos
A tecnologia associada à geração de energia verde é altamente consumidora de minerais críticos e outros minerais metálicos (por exemplo, a grafite e o cobalto). Para que os erros do passado associados à exploração de recursos naturais não se repitam, é imperativo que este termo da equação seja discutido sem complexos.
A 13 de Maio de 2021, Portugal passou a viver a crédito ambiental. Segundo o relatório da Global Footprint Network, o país passará o resto o ano a consumir mais recursos naturais que os produzidos ou regenerados internamente. Uma efeméride que nos últimos anos tem sido consistentemente antecipada.
Este ano viveremos mais 12 dias a crédito em comparação com o ano de 2020. A antecipação da entrada em crédito ambiental mostra-nos que não existe alternativa que não passe por uma mudança radical do modo como gerimos os nossos recursos naturais. Que o futuro terá certamente de ser mais sustentável, de neutralidade carbónica e com uma matriz energética mais limpa que a actual. Esta mensagem é, para surpresa de muitos, reforçada no último roteiro para o sector global da energia publicado há dias pela Agência Internacional de Energia. Segundo este relatório, o caminho para a neutralidade carbónica em 2050 não pode contemplar a produção de hidrocarbonetos em campos de petróleo e gás natural para além dos actualmente existentes ou previsto entrar em produção até ao final de 2021.
Em todos os cenários de neutralidade carbónica para as próximas décadas há um denominador comum. As energias alternativas limpas, por exemplo, a energia solar e eólica e o hidrogénio verde, serão o principal factor de transformação e assumem um papel central numa nova matriz energética. Há, no entanto, outra face da mesma moeda que estas previsões tendem a esconder.
A tecnologia associada à geração de energia verde é altamente consumidora de minerais críticos e outros minerais metálicos (por exemplo, a grafite e o cobalto). A importância destas matérias-primas não está limitada às tecnologias para geração de energia, mas também para o seu armazenamento em baterias de nova geração altamente eficientes. O Banco Mundial estima um aumento de 500% na necessidade de minerais críticos para a tecnologia associada à produção de energia solar, eólica e geotermal e para o armazenamento de energia nestas baterias. Fica de fora destes cálculos o previsível aumento no consumo destes e outros minerais em consequência do crescimento do número de carros eléctricos em circulação.
Para que os erros do passado associados à exploração de recursos naturais não se repitam, é imperativo que este termo da equação seja discutido sem complexos. Que esta discussão seja feita no espaço público trazendo consigo as populações locais onde existe possibilidade de exploração destes recursos energéticos. Que se avaliem os prós e os contras e que se tomem já medidas de protecção para os ecossistemas locais. Que haja mais eventos de discussão pública como o ocorrido em Lisboa no início do mês de Maio promovido pela Presidência Portuguesa do Conselho Europeu sobre o conceito de green mining, e que estes integrem e ouçam as preocupações da população. Deixar protestos à porta do Centro Cultural de Belém não será certamente a solução.
A real implementação do novo Pacto Ecológico Europeu só acontecerá se o papel central dos recursos energéticos na transformação da matriz energética actual for assumido de forma inequívoca. Existe a necessidade de tornar as cadeias de abastecimento destes recursos mais próximas, justas, resilientes e que garantam a sustentabilidade do recurso desde a sua exploração até à chegada ao consumidor final. De diminuirmos a nossa dependência de países fora da união. A geopolítica mundial já se joga neste tabuleiro.
Por fim, a rápida digitalização do sector apresenta-se como uma oportunidade para uma nova geração de engenheiros de recursos energéticos e para o desenvolvimento de novos métodos de modelação, exploração e monitorização em tempo real que permitam minimizar riscos de operação. É também por estas razões que o novo programa quadro da União Europeia para investigação e desenvolvimento, o Horizonte Europa, coloca as questões do acesso às matérias-primas no centro das suas prioridades. Pensar energia limpa sem incluir os recursos minerais é hipotecar o objectivo da neutralidade carbónica num momento tão crítico como o que hoje atravessamos.