Danos colaterais
As dinâmicas das sociedades democráticas são cada vez mais céleres e complexas, com zonas de crescente opacidade, em simultâneo com uma opinião pública que exige mais escrutínio e maior transparência.
Esta tensão nem sempre é revertível a favor de uma maior abertura ao controlo democrático das sociedades que, muitas vezes, só consegue, através de denúncias, investigar actos e comportamentos que lesam o interesse público e onde os casos se esfumam na agenda mediática com a mesma vertigem com que nela surgem.
O desporto, sobretudo na sua vertente de negócio, tem sido um terreno privilegiado, para a prática de actos tipificados como crime, de que os mais relevantes têm sido o branqueamento de capitais e a fraude fiscal, com recurso a empresas e paraísos fiscais.
Os infractores, desportistas e outros agentes, até não são aqueles que maiores queixas podem apresentar quando à censura pública, se comparados com outros actores sociais como, por exemplo, os políticos.
O certo é que as ameaças à integridade são hoje um dos maiores, mais sérios e complexos problemas que o desporto enfrenta. Maiores pelos volumes financeiros que envolvem. Sérios porque alastram qual mancha de óleo. Complexos pela sua dimensão transnacional e sofisticação tecnológica.
Os problemas não são desta ou daquela modalidade desportiva, mas, infelizmente, daquelas cujas economias assentam em volumes financeiros significativos. Não é por isso aceitável que aqueles que defendem um desporto limpo de tais práticas possam conviver com o silêncio perante acontecimentos que mancham o desporto qualquer que seja a perspectiva com que o encaram.
Só essa atitude de denúncia e de firmeza de princípios pode combater a tese daqueles que afirmam que os dirigentes desportivos são todos iguais, ou daqueles outros que entendem que estes são problemas de uma modalidade (futebol), como se as restantes estivessem imunes. Nada disto é verdade.
Os acontecimentos que envolvem o presidente de um clube desportivo, independentemente do que a justiça venha a apurar, não são positivos para o desporto. Acentuam um registo preocupante que ultrapassa a pessoa em causa, o futebol e o universo clubístico envolvido. E os efeitos colaterais não são evitáveis ou reparáveis mesmo perante a invocação da presunção de inocência de que gozam os indiciados.
O desporto, mesmo na sua vertente de negócio, não tem de ser necessariamente um sector sobre o qual pesa sempre o ónus da desconfiança e da ausência de credibilidade. Mas para que isso não ocorra é necessário exigir a adopção de mecanismos de transparência que permitam o escrutínio social e atitudes exemplares de quem o dirige, que transmitam confiança e credibilidade sociais.
A indiferença, e com ela o silêncio, é uma atitude que nos pode atraiçoar. Ela pode colocar em crise valores em que acreditamos e pelos quais nos batemos. Pode empurrar-nos para um grau de tolerância e de ausência de crítica perante atitudes e comportamentos daqueles com quem temos alguma afinidade, seja pelas funções que exercemos, seja por simpatia clubística.
Essa atitude corresponderá sempre a uma legitimação dos actos censuráveis e a um baixar de armas face aos valores que defendemos, caucionando, por isso, uma conivência moral.
Para os que gostam do desporto e que sentem que têm a responsabilidade cívica de o resguardar este não é um terreno neutro.
Saibamos assumi-lo com a firmeza porque o desporto precisa de quem o defenda das ameaças que o cercam.