Os Jogos terminaram
Os Jogos Olímpicos revelam a extraordinária dimensão e amplitude deste acontecimento. Sobre as suas contradições e paradoxos, capacidades e incapacidades em internalizar o capital emocional que envolve milhões de espectadores e praticantes.
Cada edição dos Jogos Olímpicos contabiliza vitórias e derrotas. Casos e outras estórias. Alegrias e tristezas. Gente contra e gente a favor. Lá no fundo persiste a inquietante questão sobre o que move os atletas, homens e mulheres, a abdicarem de tanto, dispondo-se a sofrer para superar os seus próprios limites. O que os faz correr, nadar, saltar e lançar cada vez mais e melhor. E colocando a velho dilema ontológico de saber até onde o corpo é capaz de chegar.
Cada edição dos Jogos surpreende-nos e inquieta-nos. Seja com a condição do atleta como um produto perecível, com prazo de validade no espectáculo desportivo global. Seja com a capacidade de mobilizar um país e forjar a sua identidade através dos sucessos e frustrações dos seus representantes. Seja com a dureza, a frustração e as dúvidas com que se termina uma carreira de alto rendimento para se iniciar uma outra vida. Ou até no modo como cada país presenteia os seus campeões.
Não temos uma visão idílica do Olimpismo. Os Jogos Olímpicos são uma realização humana. Inevitavelmente espelham e traduzem os paradoxos do pulsar dessa condição e, por isso, representam a expressão mais fiel de um fenómeno cujo desfecho assume apaixonante imprevisibilidade.
Os Jogos Olímpicos nunca foram, desde a sua criação, apenas uma competição desportiva, onde se confrontam e se avaliam capacidades desportivas. O rendimento desportivo, base sobre a qual se estrutura a competição, tem um valor desportivo, mas encerra também um valor comercial e económico e, em algumas circunstâncias, assume uma clara dimensão mediática e política.
É verdade que nem sempre assim foi com a clareza dos dias de hoje. Mas, a partir do momento em que a prática desportiva atingiu um certo nível de qualidade e se comercializou à escala global, tudo mudou. Nos últimos tempos a mudança foi tão radical que chegámos ao ponto de uma simples comparação entre o seu passado recente e o seu passado anterior poder criar a ilusão de estarmos perante dois fenómenos distintos. Mas não. Estamos perante o mesmo fenómeno que, como todos os produtos sociais, sofreu as consequências da evolução do tempo. O desporto mudou porque os tempos social, cultural e político mudaram.
As circunstâncias tão especiais que envolveram a realização dos Jogos de Tóquio, o quadro de constrangimentos e limitações em que foram realizados constituíram um desafio à capacidade humana para garantir uma competição global e simultaneamente níveis de segurança sanitária perante o quadro pandémico que ainda vivemos.
Realizaram-se num quadro de excepcionalidade, após um adiamento inicial. As cerimónias de abertura e encerramento não tiveram a grandeza de outras. Mas as competições realizaram-se com qualidade. Apesar de todas as limitações valeu a pena. O desafio foi ganho e o entusiasmo com que os nipónicos saudaram as competições desportivas realizadas em espaços abertos indiciam que os piores receios de uma atitude de rejeição não ocorreram.
A disponibilidade e simpatia de milhares de voluntários japoneses comprovam também uma atitude de apoio e de solidariedade com todos quantos se deslocaram a Tóquio para participar no evento.
Mudaram as circunstâncias, mas o fascínio dos Jogos Olímpicos permaneceu. Mesmo sem público. E foi essa força atractiva que mobilizou por esse mundo fora um número incalculável de espectadores no acompanhamento das competições. Portugal não foi excepção.
Um sinal de que, apesar da severidade dos momentos que temos vivido, há lugar a um tempo melhor, de comunhão, de partilha e de solidariedade. Não me ocorre um outro acontecimento com esta força e esta capacidade para nos restituir a alegria e a esperança.
Só podemos estar agradecidos.