E se pudéssemos escolher os cuidados que desejamos no nosso envelhecimento?

De acordo com dados provisórios revelados pelos Censos 2021, somos cada vez menos e estamos mais velhos. O número de pessoas em Portugal com mais de 65 anos duplicou em relação aos anos 70, o que faz de nós um dos países mais envelhecidos da União Europeia.

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LUSA/MÁRIO CRUZ

Vivemos tempos desafiantes e soluções urgentes precisam-se para uma inversão da actual tendência de envelhecimento da população portuguesa. É preciso analisar e definir o país que queremos ter e o país que queremos construir para os nossos mais velhos. O país terá de dar também respostas sociais a cada um de nós, daqui a mais ou menos tempo. Temos de iniciar este caminho de forma urgente, para que não seja tarde de mais.

De acordo com dados provisórios revelados pelos Censos 2021, somos cada vez menos e estamos mais velhos. O número de pessoas em Portugal com mais de 65 anos duplicou em relação aos anos 70, o que faz de nós um dos países mais envelhecidos da União Europeia. Mais de 2,4 milhões, ou seja 23,4% da população portuguesa, têm mais de 65 anos.

Em contrapartida, verificamos que as bases da pirâmide estão a “emagrecer”. O grupo populacional de pessoas até aos 15 anos de idade desceu 15,3% e representa hoje 12,9% do total, enquanto a população jovem em idade activa (dos 15 aos 24 anos) desceu 5,1% e as pessoas com idades entre os 25 e os 64 anos diminuíram 5,7%.

Segundo dados do INE, agravou-se assim “o duplo envelhecimento da população” com a redução dos jovens e o aumento dos mais velhos. O índice de envelhecimento da população está actualmente em 182 idosos por cada 100 jovens. Este indicador tem vindo a agravar-se significativamente ao longo dos últimos anos: em 2011 tínhamos 126 idosos por 100 jovens e há 20 anos eram 102 idosos por 100 jovens.

Há um claro desequilíbrio da balança que está a agravar-se cada vez mais e a comprometer a viabilidade da Segurança Social, que já actualmente não consegue responder de forma cabal às necessidades da sociedade portuguesa. Analisando a evolução da sustentabilidade da Segurança Social, em 1970 tínhamos 6,6 pessoas em idade activa por cada idoso. Actualmente o rácio é de 2,9 pessoas em idade activa por cada idoso, com tendência a agravar. Segundo dados da Pordata de 2019, cerca de 40% da população (com mais de 15 anos) recebia pensões da Segurança Social ou da Caixa Geral de Aposentações, o que reflecte uma sociedade empobrecida e muito dependente do estado.

E como são cuidados os nossos idosos?

Portugal tem a menor taxa de prestação de cuidados não domiciliários, uma das menores taxas de cobertura de cuidados formais e a maior taxa de cuidados domiciliários informais da Europa. Estes cuidados são essencialmente assegurados pela família. Segundo informação da Alzheimer Portugal, em 2020 o número de cuidadores informais em Portugal rondava os 1,4 milhões de pessoas. Os cuidados na velhice são, por isso, frágeis e insuficientes, assegurados na maior parte das vezes por um companheiro com idade próxima, sem formação nem capacidades física e mental necessárias para garantir a melhor resposta. Para além disso, o envelhecimento requer soluções multidisciplinares e, face ao actual perfil de cuidados, estamos longe, muito longe, de assegurar respostas dignas e suficientes aos nossos velhos.

Analisando os dados da Carta Social, a taxa de cobertura nacional com Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI), centros de dia e Serviços de Apoio Domiciliário (SAD) é de 12,1% e, segundo dados da Segurança Social, esta tem apenas 2560 vagas sociais, que correspondem a 20% da capacidade em respostas com comparticipação pública e em 10% naquelas que não têm essa comparticipação.

A população portuguesa está num processo de envelhecimento acelerado, a criação de novas estruturas residenciais para idosos é insuficiente. O actual modelo não está a ser capaz de dar a resposta de que todos precisam. É urgente uma reforma da Segurança Social, uma reforma que possa acompanhar as actuais tendências demográficas, definindo uma solução futura sustentada e viável.

E se pudéssemos escolher os cuidados que desejamos no nosso envelhecimento?

Teríamos de fazer mudanças graduais. Começar por descomplicar, desburocratizar o actual sistema social. Tornar o sistema mais simples, mais ágil - rever o regime sancionatório que está desactualizado e que por isso encoraja práticas ilícitas (são cada vez mais as notícias na comunicação social de lares ilegais espalhados por todo o país), simplificar e agilizar o processo de licenciamento e acompanhamento dos equipamentos.

Mas o mercado precisa de tornar-se mais aberto, mais simples e concorrencial, mais ágil e ajustado às necessidades reais da população, sem descurar a necessidade de intervenção do estado sempre que o cidadão não consiga garantir essa resposta pelos seus próprios meios.

Permitir a criação de novos conceitos de cuidados ao idoso, como as aldeias sociais, as aldeias pedagógicas, até mesmo novos serviços de apoio ao domicílio, entre outras soluções que o cidadão procure como ideais no futuro, fazendo da Segurança Social parte da solução e não um obstáculo, com a criação de equipas de trabalho pluridisciplinares que assegurem uma análise, planeamento e devido enquadramento legal destas respostas de forma ágil e um acompanhamento sério e eficaz sem nunca comprometer a qualidade para o utente.

Precisamos de uma reestruturação urgente. Precisamos de uma resposta rápida, flexível e simplificada na resposta ao envelhecimento. E precisamos que comece já.

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