É urgente educar pelo exemplo

O ídolo desportivo constitui-se agora como verdadeira marca em competição no mercado e sujeita a intenso escrutínio público, que não perdoa, nem pode perdoar, comportamentos desviantes dos padrões e das normas éticas da tolerância, da não-violência, da aceitação do “outro” como igual.

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"Tão lastimável acontecimento deve fazer-nos reflectir, quer como pais, quer como educadores" PEDRO NUNES/Reuters

Ainda no rescaldo dos deploráveis incidentes registados no Estádio do Dragão, no final do encontro entre as equipas do Futebol Clube do Porto e do Sporting Club de Portugal, assaltou-me a ideia da necessidade de se reflectir a respeito da importância da educação pelo exemplo. Não vou emitir opinião, porque desconheço os regulamentos, sobre que punições/processos disciplinares deverão ser aplicados aos intervenientes nos ditos incidentes.

Preocupa-me que nem a Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto nem o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol conseguirão desvanecer a vergonha das imagens transmitidas a propósito daquele “clássico”. Tão lastimável acontecimento deve fazer-nos reflectir, quer como pais, quer como educadores, no mau exemplo dado no campo a milhares de jovens adeptos do chamado “desporto-rei”, que, um dia, ambicionam vir a ser profissionais de futebol, alicerçando esse sonho nos “modelos” que dentro e fora das quatro linhas, jogo após jogo, aplaudem e seguem.

O ídolo, do grego antigo, εἴδωλον, expandiu-se há muito da esfera divina para a esfera humana e o fenómeno acrescentou responsabilidades a quem carrega hoje esse desígnio, por mérito próprio ou aclamação pública. O ídolo desportivo constitui-se agora como verdadeira marca em competição no mercado e sujeita a intenso escrutínio público, que não perdoa, nem pode perdoar, comportamentos desviantes dos padrões e das normas éticas da tolerância, da não-violência, da aceitação do “outro” como igual.

Esta questão é tanto mais importante, porquanto é sabido e amplamente estudado pela academia que as crianças aprendem, sobretudo, pela observação do mundo que as rodeia. David Attenborough refere sermos, enquanto humanos em idade adulta, os seres mais observados do mundo animal. Assim, sem dramas, devemos ser cautelosos nas atitudes que assumimos e nas mensagens que transmitimos ou, mais cedo do que possamos imaginar, teremos de enfrentar as consequências desses nossos actos.

Aqui chegados, necessitamos, todos, de interiorizar que educar as crianças pelo exemplo é uma obrigação que temos de cumprir dia após dia, momento após momento, e que se traduz nos comportamentos que evidenciamos. Cabe a todos, escola e família, trabalhar para esse resultado.

Comecemos pela escola: É vulgar ouvirmos a acusação de que a esta não cumpre esse papel de role model, através de sentenças como “nem parece que andas na escola” ou, pior ainda, “é isso que te ensinam na escola?”. Há muito que se misturam os papéis da escola e da família neste complexo processo de representar exemplo, mas comecemos pela desmistificação dos conceitos de educar e ensinar.

Educar é toda uma jornada, que visa promover a educação e estimular reflexões e sentido crítico acerca de comportamentos nos âmbitos intelectual, social e ético, comummente aceites pela envolvente social e cultural de que fazemos parte. À escola compete a missão de ensinar, de despertar nos alunos o desejo de aprender, através de ambientes construtivos que levem às aprendizagens significativas e estimular o desenvolvimento cognitivo, construindo, activamente, o conhecimento do “fazer e saber-fazer” sem se afastar de outras áreas, também elas fundamentais, da formação integral das crianças.

Isto traduz-se em fomentar os princípios de uma cidadania activa e dar significado a normas e valores tornando-os compreensíveis, fomentando a autonomia e os limites aos exercícios da liberdade. No final, fica a certeza de que tudo o que é aprendido nessas esferas produz marcas e consequências para toda a vida.

Os pais e outros adultos significativos deverão ter presente que as crianças vêem em nós um exemplo e, se lhes exigimos um comportamento adequado e socialmente aceite, então temos de o reconhecer em nós. O comportamento não é algo que surja por herança ou por truque de magia — passa por anos de observação e mimetismo. Temos é de ter presente, que se torna inútil fazê-lo de modo intermitente, pois isso só irá gera confusão e dificuldade na escolha da melhor opção a cada momento.

A verdade é que, no fim do dia, as crianças podem aprender o bom comportamento, assim como também o mau, mas, naturalmente, modificá-lo. O que não pode acontecer será baixarmos a guarda.

É consensual a ideia de que cedo aprendemos a falar copiando modelos, de que aprendemos um idioma simplesmente ouvindo, observando e imitando. E sabemos também que é na infância e na adolescência que, como “esponjas”, iniciamos a solidificação de valores, atitudes, preferências e hábitos. Graças a essa imensa capacidade/habilidade para observar, interiorizamos os modelos comportamentais que moldam a personalidade na idade adulta.

A forma como convivemos em sociedade também influencia o nosso comportamento, dado que a envolvente social é, também ela, responsável e reflexo das nossas vivências. A verdade é que não devemos, em momento algum, esquecer que o exemplo é bem mais poderoso do que a regra.

A velha frase “Quando fores grande fazes isso” não existe na pedagogia das aprendizagens sociais. Se desejamos que a criança cumpra regras, sejam de que âmbito forem, temos primeiro que examinar as nossas, ainda que não se trate de uma experiência fácil ou agradável. Quando olhamos para os mais pequenos, que nos rodeiam, muitas vezes percepcionámos pequenas cópias dos adultos – sejam pais, avós ou professores –, que representam naturais fontes de inspiração.

A verdade é que a frase tão batida “Faz o que eu digo, não faças o que eu faço” deve ser banida das atitudes que tomamos, quando nos compete educar crianças, pois estas aprendem sobretudo através das acções que presenciam e que tendem a replicar. A National Association for Prevention of Child Abuse and Neglet editou um vídeo “Children see Children do”, que retrata a imitação de comportamentos socialmente incorrectos e a forma como os mesmos são replicados pelas crianças.

Se todos os pais desejam filhos dóceis, pacíficos, cumpridores, tolerantes, justos, críticos, honestos, terão de ser os primeiros a dar esses exemplos. Nada mais desadequado do que dizer algo e fazer o seu contrário.

Outro aspecto, não menos importante, remete-nos para a enorme importância do nosso exemplo, para a capacidade de os nossos filhos se adaptarem a novas situações e desafios. As competências sociais, valores e atitudes são, nos primeiros anos de vida, conceitos abstractos e fora do quadro de referência dos mais pequenos. Daí a importância de se colocarem em prática, de forma sistemática e consistente, exemplos construtivos de uma boa e saudável vida em sociedade.

Nem pais nem educadores são seres perfeitos, mas teremos, todos, de dar o nosso melhor para educar as crianças através dos melhores exemplos.

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