É preciso tratar a obesidade: que novas abordagens existem?
São necessárias várias estratégias para combater a doença de modo consistente, ao longo da vida, e as formas de a tratar devem ser individualizadas, tendo em conta as particularidades de cada pessoa.
Ninguém duvida que a obesidade representa um grave problema de saúde pública e que a sua prevenção e tratamento têm que ser uma prioridade. Tal certeza é influenciada não só pelo seu aumento significativo em todo o mundo, como também, pelo facto de a obesidade estar associada a várias complicações, nomeadamente: metabólicas, mecânicas e mentais.
Nas doenças metabólicas, destacam-se a pré-diabetes e diabetes tipo 2, a hipertensão arterial, a dislipidemia (níveis anómalos de lípidos no sangue), as doenças cardiovasculares, a síndrome de apneia obstrutiva do sono e o tromboembolismo. É ainda um fator de risco importante para a infertilidade e para vários cancros, nomeadamente do colón, fígado, ovários e mama.
Do ponto de vista osteoarticular (mecânico), tem também uma morbilidade significativa, com redução da mobilidade e consequente agravamento da própria obesidade. Aqui, destaco a incontinência urinária, pois é uma das complicações mecânicas mais frequentes desta doença.
Em relação à saúde mental, não podemos esquecer os efeitos sobre a falta de autoestima ou o aumento de depressão e ansiedade associada à obesidade.
Não posso deixar de referir, ainda, o impacto avassalador no aumento das complicações por covid-19, com maior número de doentes internados em Unidades de Cuidados Intensivos. Sabemos também que quanto maior o grau de obesidade, maior o risco de mortalidade. Em casos graves pode reduzir a esperança média de vida até dez anos e sobretudo com uma grande perda de qualidade de vida.
Em Portugal, dois terços da população adulta (67,6%) apresentam excesso de peso ou obesidade, sendo que a prevalência da obesidade é de 28,7%. Os custos diretos em saúde são muito elevados, estimando-se que em Portugal este valor seja muito superior a 1,2 mil milhões de euros por ano (já que não foram contabilizados os custos ocorridos no sector privado). Fora destes valores estão os custos indiretos, nomeadamente como o absentismo laboral e a perda de produtividade precoce.
É, portanto, urgente mudarmos a estratégia na abordagem desta doença.
A boa notícia é que qualquer perda de peso tem um impacto direto positivo na qualidade de vida e na melhoria das várias doenças associadas à obesidade, ou seja, ganhos em saúde e económicos. Sabemos, por exemplo, que uma perda de apenas 5% do peso está associada à redução da medicação para a diabetes ou da hipertensão arterial. Podemos até reverter algumas das complicações, se forem conseguidas maiores perdas de peso.
Sendo a obesidade uma doença que depende de vários fatores genéticos, biológicos, ambientais, do desenvolvimento e comportamentais, a perda de peso mantida é um verdadeiro desafio na prática clínica.
Existem várias medidas que têm sido implementadas ou reguladas para a prevenção da obesidade, que têm que ser urgentemente reforçadas e reestruturadas. E, atenção: a obesidade é mais complexa do que apenas o resultado da falta de força de vontade ou de disciplina.
São necessárias várias estratégias para a combater de modo consistente, ao longo da vida, e as formas de a tratar devem ser individualizadas, tendo em conta as particularidades de cada pessoa.
É fundamental recorrer a uma equipa multidisciplinar, com enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, médicos das várias especialidades, nomeadamente, endocrinologistas, fisiatras e cirurgiões, que ajude a compreender os fatores que contribuem para o seu ganho ponderal e avaliar e tratar as suas consequências.
Como profissionais de saúde temos a obrigação de abordar a obesidade como uma doença crónica e utilizar todas as ferramentas disponíveis no tratamento destes doentes, livres de preconceitos e de qualquer estigmatização sobre a pessoa com obesidade.
Para além da motivação para as mudanças comportamentais e de estilo de vida, atualmente dispomos de um conjunto de terapêuticas farmacológicas, que têm contribuído para o sucesso no tratamento da obesidade. Eventualmente, em determinadas situações, a cirurgia bariátrica pode estar indicada.
Tem sido muito gratificante acompanhar a perda ponderal associada aos novos fármacos para o tratamento da obesidade. Esta perda, muitas vezes, após anos ou mesmo décadas de múltiplas tentativas de emagrecimento sem sucesso, ou com o chamado efeito ioiô, desencadeia um conjunto de sentimentos, sobretudo de bem-estar, que são um “clique” para as tão necessárias mudanças comportamentais e que permitem fazer o caminho no sentido inverso ao realizado até ao momento. De forma a gerir as expectativas dos doentes, temos que explicar bem o que se espera do medicamento e quais as vantagens associadas às pequenas perdas de peso, assim como dos eventuais efeitos secundários.
Em relação ao tratamento cirúrgico, sabemos que a cirurgia bariátrica é a única intervenção com eficácia comprovada na obesidade severa, com resultados significativos na perda de peso sustentada a longo prazo. No entanto, estas cirurgias podem estar associadas a algumas complicações metabólicas, nomeadamente de deficiências de vitaminas e minerais que podem ter repercussões graves. É fundamental que o doente tenha conhecimento destas consequências e que assuma o compromisso de manter o acompanhamento pela equipa multidisciplinar a longo prazo, e a adesão aos suplementos necessários — seja em consulta e nutrição, seja junto do endocrinologista.
É preciso tratar a obesidade. De forma a controlarmos esta pandemia, temos hoje disponíveis várias ferramentas para a prevenção e tratamento da obesidade a longo prazo. O primeiro passo é reconhecer o problema, o segundo é procurar a mudança, mesmo que tal implique a procura de ajuda médica. O importante é manter o foco nos ganhos em saúde que podem ser conquistados.