Em Santo Antão, à beira do precipício
Iríamos caminhar à beira do precipício, close to the edge. De costas para aquele deserto que cobre mais de metade desta ilha de Cabo Verde. Ou mais de metade de nós. Iríamos caminhar com (des)alento de Sísifo à beira de abismos, levando pedregulhos invisíveis até ao topo, de onde ficaríamos a vê-los rolar. Iríamos fazê-lo como se fora um desporto em que a vida se jogara a feijões ou a caramelos de terceira.
Que sabemos sobre as razões últimas que nos levam a fazer as coisas que fazemos? A renunciar a estes caminhos e a escolher aqueles outros passos porventura condenados a perder-se por incertas, improváveis veredas? Por que razão subiu o viajante àquele outeiro áspero e um tanto distante, de onde podia avistar uma casa branca no meio do verde que rodeava como um paraíso insidioso um povoado chamado Vila das Pombas? Apenas para ter a certeza de que tudo aquilo, o mar revolto ao fundo, o caminho sinuoso entre fragas e falésias até à Pontinha da Janela, as bananeiras funâmbulas cultivadas em impossíveis socalcos, um livro de Júlio Verne na mesa de cabeceira da stanza Philleas Fogg, uns cabelos revoltos como fios torturados de medusa antes do naufrágio, tudo aquilo teria a mesma espessura que têm as coisas reais? Tudo aquilo seria como simples sangue pulsando nas artérias num dia qualquer e anónimo da vida?
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