Mais cedo ou mais tarde, a agricultura terá de abraçar o Pacto Ecológico Europeu
O futuro da agricultura também passa por “formar mais agricultores”, ensinando-lhes técnicas mais modernas e ecológicas que permitam poupar água e produzir alimentos mais saudáveis.
Abraçar as transformações necessárias para responder à crise climática sem perder a viabilidade económica — eis uma das grandes encruzilhadas da agricultura europeia ao olhar para o futuro, num momento em que se completam os 60 anos da Política Agrícola Comum (PAC), um dos instrumentos mais antigos e também mais dispendiosos do orçamento da União Europeia. Em 2023, depois de um período de transição de dois anos, entrará em vigor a nova PAC para 2021-2027, documento que atraiu muitas críticas, entre as quais a de que os objectivos ecológicos estavam a ser “impostos” ao mundo rural.
Mas o que é, hoje, o nosso “mundo rural”? De quem falamos quando falamos em “agricultores”? A eurodeputada do PS Isabel Carvalhais, membro da comissão de Agricultura do Parlamento Europeu, prefere falar em “ruralidades”, reconhecendo a heterogeneidade do território. A própria distinção entre um pequeno agricultor e um grande produtor pode significar coisas distintas em diferentes pontos do país — compare-se, por exemplo, as pequenas propriedades do interior norte com as grandes explorações do Alentejo.
Acima de tudo, diz, “há espaço para todas as dimensões”. Apesar dos desafios em equilibrar as produções focadas no lucro com requisitos de sustentabilidade, também os grandes proprietários devem ser valorizados pela capacidade de investir em inovação, divulgar práticas, manter uma maior produtividade.
Também para o eurodeputado Álvaro Amaro, eleito pelo PSD, “é errado haver esse combate entre grandes e pequenos” — “há lugar para todos” —, recordando a importância para a produção nacional da “agricultura competitiva e moderna” feita pelas empresas com mais meios.
Além das emissões de gases de efeito de estufa, algumas actividades agrícolas são vistas também como culpadas pelo declínio da biodiversidade, decorrente da forma como o solo é explorado e muitas vezes esgotado. Neste momento, afirma Francisco Guerreiro, eurodeputado independente do grupo dos Verdes no Parlamento Europeu, a PAC continua a olhar para o “modo de produção em quantidade e não em qualidade”.
O eurodeputado ambientalista lamenta o desconhecimento generalizado da realidade rural e dos seus problemas, que “só se aborda quando é para criar polémica”. Considera que existe, acima de tudo, desconhecimento sobre a forma como a comida é produzida: “Falta debate sobre como os alimentos são produzidos e nos chegam à mesa.” É preciso, diz, “formar mais agricultores” do ponto de vista técnico, de forma a poderem aplicar técnicas mais modernas e ecológicas que permitam poupar água e produzir alimentos mais saudáveis. De acordo com alguns relatórios, isto também passa por uma certa formação ambiental, de forma a tornar visível o impacto negativo para o ambiente da utilização de recursos como determinadas técnicas ou produtos.
Francisco Guerreiro sublinha que é preciso quebrar a divisão, por vezes artificial, entre o litoral e o interior e olhar para problemas transversais que também são sentidos no mundo rural. O acesso à Internet (um dos objectivos do Pacto Ecológico), a serviços públicos de proximidade e a empregos de qualidade, que ajudam a fixar as populações nos territórios, também podem contribuir para a modernização da produção agrícola e desenvolvimento do mundo rural. Recordando que, ao lado da transição ecológica, a UE também enfrenta o desafio da transição digital, Francisco Guerreiro alerta que “o fosso da desigualdade vai aumentar” se nada for feito para contornar estas disparidades.
Para Isabel Carvalhais, existe agora uma grande oportunidade se incorporar o mundo rural na aplicação do Plano de Recuperação e Resiliência, desde áreas como a digitalização até, em particular, às questões ambientais, tendo em conta o papel fulcral da agricultura tanto na redução das emissões como na promoção da biodiversidade.
Questões ambientais
O social-democrata Álvaro Amaro torce o nariz às pretensões ecológicas que não garantam fundos para compensar os agricultores por eventuais perdas na produção. Acusa o comissário Frans Timmermans de ter aprovado o Pacto Ecológico Europeu à pressa, afirmando que são precisas mais avaliações de impacto destas propostas. Alguns relatórios publicados até ao momento indicam que haverá uma queda na produção decorrente, entre outros, da redução da utilização de pesticidas e fertilizantes nocivos (o Pacto Ecológico prevê uma redução de 50% até 2030). Para Álvaro Amaro, a situação agravada com a guerra na Ucrânia deixou a descoberto uma das fragilidades de se reduzir a produção. “Queremos produção e soberania alimentar”.
Já a socialista Isabel Carvalhais, relatora no Parlamento Europeu da Estratégia para a Biodiversidade, alerta que as medidas agora tomadas que dão menos importância a critérios ecológicos devem ser excepção. Não se pode, afirma, utilizar a guerra como pretexto para regressar ao “business as usual”, quando o impacto das alterações climáticas é cada vez mais claro para os produtores. Se a guerra da Ucrânia tornou mais visível a crise no abastecimento, o alerta sobre a escassez de alimentos e o aumento de preços já tinha sido lançado no ano passado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Em Portugal, os efeitos da seca já têm levado a algumas concessões, como a utilização de pousios, para garantir a produção, mas Isabel Carvalhais reforça que é preciso não perder de vista os objectivos climáticos e não deixar que as “excepcionalidades se tornem no novo normal”. “Não podemos achar que isto é uma resposta de longo prazo”.
A gestão dos recursos agrícolas é um puzzle complexo, que envolve não apenas a soberania alimentar ou imperativos climáticos, mas também questões como as exportações (incluindo para países em desenvolvimento, sem capacidade de produção agrícola) ou o desperdício alimentar.
Reforma ou revolução?
Para resolver este puzzle para o futuro, a União Europeia parece ter escolhido o caminho que coloca a protecção do ambiente em primeiro lugar, com estratégias ambiciosas como “Do prado ao prato”, para garantir sistemas alimentares — de produção e de consumo — mais sustentáveis, ou a estratégia para a Biodiversidade.
Álvaro Amaro, particularmente crítico da estratégia “Do prado ao prato”, insiste no gradualismo. Discorda de mudanças “por decreto”, afirma que “não pode haver uma decisão arbitrária”. A redução de pesticidas e a aposta na agricultura biológica, reforça, devem significar um acréscimo nos apoios para garantir que os agricultores não perdem rendimentos nessa transição ecológica. “O que está aqui em causa não é tanto a arquitectura verde”, explica, mas antes “aplicar esta estratégia de imediato”, sem ter a certeza, afirma, de que os agricultores não ficarão desamparados perante a esperada redução da produção.
Francisco Guerreiro contrapõe que é mesmo preciso uma revolução, considerando que as pequenas reformas não têm sido adequadas para fazer face às mudanças urgentes para combater as alterações climáticas.
Gradualismo ou revolução? Isabel Carvalhais prefere uma posição mais moderada. “Tende a concordar” com Francisco Guerreiro, mas reforça que é preciso salvaguardar a chamada transição justa, senão para muitos agricultores — em particular os pequenos — “a revolução pode ser o fim”. Retorna-se, assim, à importância de os Estados-membros incluírem o mundo rural nas suas prioridades políticas, disponibilizando fundos: “É obrigação das políticas públicas estimularem essa revolução.” Se estivermos sempre a adiar esse impulso, alerta a eurodeputada, “daqui a pouco não temos é planeta”.