O desporto e atletas transgénero
O impacto de certos temas no espaço público e o respectivo comentário, nem sempre é compatível, face ao elevado grau de complexidade que encerram, com opiniões ou soluções conclusivas.
O tema dos atletas transgénero encontra-se nessa categoria. Conexo com ele existem outras situações relativas a casos de atletas com desenvolvimento sexual diverso (como o da atleta Caster Semenya), pessoas com conformidade entre o sexo biológico e a identidade de género, ainda que desenvolvam hiperandroginismo (excesso de hormonas sexuais masculinas, designadamente testosterona). E se no plano social o reconhecimento de igualdade de direitos é pacífico, no da participação desportiva a questão suscita controvérsia. O que se compreende.
A generalidade das modalidades desportivas hierarquiza as suas competições/classificações na base da diferenciação do sexo biológico (masculino/feminino) e, em algumas modalidades, por categorias de peso. Com a maior visibilidade das pessoas que não se identificam com o sexo biológico e os direitos que reivindicam no que se reporta à participação desportiva, há um problema que se coloca quanto ao escalão de participação, designadamente quando as pessoas em causa se identificarem como sendo do género feminino, embora com disposições anátomo-fisiológicas próprias do sexo masculino. Estas pessoas transportariam, à partida, uma vantagem competitiva que as beneficiaria face às restantes, mais evidente em algumas modalidades ou disciplinas específicas.
As orientações do Comité Olímpico Internacional (COI), bem como as decisões das federações internacionais e do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) são tudo menos consensuais. E a jurisprudência dos tribunais estaduais ainda vai fazer correr muita tinta.
O COI aponta para uma análise flexível, caso a caso, baseada em alguns princípios orientadores garantindo a elegibilidade de atletas transgénero, mas, ao mesmo tempo, procurando um justo equilíbrio entre a não discriminação e a equidade das competições.
Ao nível das federações desportivas internacionais a resposta é muito distinta: há federações que excluem liminarmente os atletas transgénero femininos das competições femininas; outras que aceitam sem limitações; e outras que o fazem no cumprimento de requisitos como redução de testosterona ou a identidade de género manifestada antes da fase de início da puberdade (como foi agora o caso da Federação Internacional da Natação (FINA).
O problema está longe de estar resolvido. Não apenas porque o conhecimento científico sobre estes assuntos não está consolidado, como emergem questões que envolvem direitos sociais e concepções ideológicas e filosóficas que não podem ser ignoradas.
Os direitos sociais das pessoas transgénero e de desenvolvimento sexual diverso são uma conquista civilizacional. Nesses direitos sociais inclui-se o direito ao desporto. É socialmente aceitável que o exercício desse direito seja limitado? Mas como compatibilizar esse direito com o de não obter uma vantagem competitiva perante pessoas cisgénero ou que não apresentem indicadores fisiológicos fora dos limites do seu sexo biológico?
São perguntas que encerram dúvidas. Conflituam razões desportivas (o princípio da equidade) com razões sociais (o da não discriminação por género). Compreendemos as razões dos que defendem uma limitação desse direito, como a daqueles que se opõem a qualquer limitação do mesmo. E uma coisa temos por adquirida: esta é uma matéria que ainda está a dar os primeiros passos, não há uma doutrina consensualizada pelo que será mais prudente avançar na reflexão e debate sobre o tema, na busca de soluções que compatibilizem o que está em causa: a não discriminação com a equidade que a competição desportiva deve promover.