Socorro! Chegaram as férias dos miúdos

As férias representam momentos de excelência para o desenvolvimento da criatividade da criança, visto tratar-se de um tempo que lhe permite errar sem ser repreendida por isso.

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Miguel Manso/Arquivo

Com o final do ano lectivo e a aproximação do período de férias, é altura das crianças poderem usufruir de um indispensável e merecido descanso, depois de mais um ano escolar atípico. Se, para elas, a longa pausa é motivo de plena satisfação, para os pais, que trabalham, poderá transformar-se num verdadeiro quebra-cabeças. Não será, de facto, tarefa fácil, principalmente porque as férias das crianças são mais longas do que as dos adultos, o que exige criatividade e muita paciência para que esse período não se torne num calvário para “ambas as partes”.

Para muitas famílias, o apoio dos avós constitui um recurso, mas deve ser usado com parcimónia. Os especialistas em geriatria defendem que se deve combater a ideia de que os avós são obrigados a ter disponibilidade para tratar dos netos. Os avós não devem ser vistos como pessoas totalmente disponíveis, sem vida própria. A sua autonomia e independência devem ser respeitadas, a bem do seu equilíbrio emocional. Voltarei a este tema em próxima crónica.

Aqui chegados, convém tomar consciência da importância de se retomarem actividades de ar puro e de ocupação de tempos livres, que permitam minimizar a ausência do contacto das crianças com os amigos, com quem partilharam brincadeiras no recreio. Também para elas, este brusco afastamento nem sempre é pacífico, levando por vezes a atitudes de depressão e agressividade, passados que forem os primeiros dias de euforia por se verem em férias.

A aposta na participação em brincadeiras de grupo (amigos, vizinhos, colegas que se encontrem por perto…) poderá ser uma boa solução, ajudará a ocupar parte do dia e, principalmente, contribuirá para o desenvolvimento emocional e social, por oferecer momentos de aprendizagem, de partilha e de desenvolvimento de capacidades de liderança e tomada de decisões.

Retomar a actividade física, que o período de férias proporciona, deve ser por excelência um tempo para brincar na praia, fazer piqueniques, andar de bicicleta, passear pelo campo, jogar à bola e deixar de lado o telemóvel, recomendação que me atrevo a sublinhar, também, para os adultos do agregado familiar. O tempo com os filhos não tem de ser longo, mas, sim, de qualidade. Deixar as crianças entregues à “baby sitter electrónica” não será, seguramente, a melhor opção.

A primeira lei de Melvin Kranzberg (1917-1995) recorda-nos que “a tecnologia não é má, não é boa, e também não é neutra”, pois sabemos ser altamente viciante, tornando-se num sério problema, equiparado às dependências químicas.

Hoje em dia, passou a ser comummente aceite a imagem de uma família sentada numa esplanada olhando cada qual para o seu “mundo”. Mesmo quando falam entre si de qualquer assunto, o aparelho continua presente, como se o mesmo fosse o prolongamento da mão.

Há, pois, necessidade de encontrarmos alternativas que motivem as crianças e lhes permitam diminuir a tentação de permanecerem longos períodos ligados aos equipamentos electrónicos. O tempo de lazer é de extrema importância, pois contribui para a socialização e estimula a componente emocional. Fazendo o que se gosta, ganha-se tempo para se ser feliz e para melhorar o relacionamento social.

É a melhor altura para se estimular a autonomia, levando as crianças a escolher as brincadeiras e as formas de organização do tempo. Se, simplesmente, desejarem estar sem fazer nada, tudo bem, uma vez que aprender a “preencher” momentos de silêncio também é essencial para o seu equilíbrio sócio-emocional.

Sabemos que as cidades são espaços pouco amigos para as crianças brincarem. Mesmo assim, sempre que possível e seguro, deixem-nas brincar na rua.

Permito-me voltar a lembrar os estudos de Carlos Neto, quando afirma existir “uma correlação muito forte entre as crianças que brincaram muito e adultos empreendedores e felizes”. E acrescenta este reconhecido investigador: “Durante o ano, as crianças têm menos tempo de ar livre que os presidiários.” Por outro lado, a falta de actividades de ar livre “tem consequências na saúde física, como o excesso de peso e o analfabetismo motor, para não falar na sua saúde mental, com o aumento da ansiedade, da depressão, do stress, da hiperactividade e do défice de atenção”, defende Carlos Neto.

As férias representam momentos de excelência para o desenvolvimento da criatividade da criança, visto tratar-se de um tempo que lhe permite errar sem ser repreendida por isso. Essa liberdade é essencial ao seu crescimento psicológico e emocional. Para aprender a ser pessoa. Por outro lado, as férias são uma época soberana para sedimentar a comunicação e a relação entre pais e filhos.

Sempre que o orçamento familiar o permitir, a inscrição num ATL poderá ser uma alternativa, mas não na escola que a criança frequenta. Mantê-la no mesmo espaço não a afasta do imaginário lectivo e não permite que se desligue do dia-a-dia escolar. Existem opções que os pais podem promover e que, sem as crianças o perceberem, trabalhem aspectos como o comprometimento, atitudes sociais ou o respeito pela escolha da maioria.

A “noite de cinema” partilhada em família com um filme escolhido consensualmente será uma boa alternativa aos videojogos ou ao youtuber Lucas Neto. Outra actividade, entre as mil e uma existentes, poderá ser organizar “o teu dia de cozinhar”, em que o adulto que normalmente não cozinha se dedicará à confecção das refeições e arranjo da mesa. Desta forma desmontaremos o preconceito, muitas vezes existente, de se associar à mãe a responsabilidade exclusiva pela tarefa de cozinhar e arrumar a cozinha.

Mas não sobrecarreguemos as crianças com demasiadas actividades. É imperioso deixá-las imaginar, inventar, criar, factores tão importantes no seu crescimento.

Importante! Férias não são sinónimo de ausência de regras ou de horários. Mesmo nestes períodos, torna-se conveniente criar rotinas. Afinal, as férias são uma outra forma de as crianças gerirem o seu tempo, se as deixarmos, orientarmos ou estimularmos a escolherem a forma como o pretendem ocupar. Queremos muito que as crianças sejam indivíduos responsáveis, porém, em muitas situações, não desenvolvemos a sua responsabilidade e autonomia.

Não devemos esquecer que as memórias positivas da infância servirão como “âncoras” em períodos de adversidade, ajudando a gerir emoções e frustrações, o que é relevante numa fase adulta. Como pais, é nosso dever encorajar essas lembranças nas crianças. Utilizemos o tempo de férias para as construir.

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