A presidência francesa prometeu mais do que cumpriu em matéria de clima
Agora que acabou a presidência francesa do Conselho da União Europeia (UE), os analistas estão a avaliar o desempenho de Paris em diferentes dossiers. No que diz respeito ao clima, após um G7 que diluiu os compromissos já firmados e restabeleceu a ideia de investimentos em infra-estruturas de gás como uma “resposta temporária apropriada”, tendo em conta a crise energética, todos os olhos estarão na votação da próxima semana no Parlamento Europeu sobre o pacote Fit for 55. Se o gás ficar fora do texto do compromisso, esse facto, juntamente com o compromisso de pôr fim à utilização do motor de combustão nos automóveis até 2035, oferecerá à presidência francesa um legado de sucesso limitado. Ainda assim, as várias divisões que existem não foram resolvidas e, consequentemente, a ambição climática foi enfraquecida durante os últimos seis meses.
Até certo ponto, a presidência francesa recebeu um cálice envenenado sobre o clima, uma vez que tinha como principal missão chegar um acordo de mediação no pacote legislativo Fit for 55 – os instrumentos que temos para implementar o Pacto Ecológico Europeu (European Green Deal, ou EGD, na sigla inglesa). Encontrar um compromisso sobre este conjunto de propostas entre Estados-membros, que partilharam razoavelmente os custos do EGD, a indústria, as famílias e o erário público, quando os Estados estão tão divididos quanto ao equilíbrio certo, seria sempre uma tarefa hercúlea. Mas, dada a escala do desafio, uma presidência mais ambiciosa e capaz de fazer valer a sua influência sobre os Estados-membros tinha mais hipóteses de o conseguir do que uma presidência frouxa. E a França, como sede dos acordos climáticos de Paris – e com as promessas eleitorais de Macron deste ano de fazer da França uma potência climática, liderando pelo exemplo através do investimento em tecnologias renováveis, concentrando-se na eficiência energética das habitações e na produção de alimentos, e acabando com os plásticos de uso único e reduzindo a poluição atmosférica – estava bem preparada para a enfrentar.
Também não foram oferecidos ventos de feição à responsabilidade de Paris para impulsionar a implementação do EGD a partir do contexto geopolítico mais vasto. A guerra da Rússia na Ucrânia e a realidade de que a Europa necessita urgentemente de diversificar as suas fontes energéticas significaram que o primeiro foco dos líderes europeus está numa transição energética geográfica – construindo e aprofundando laços com fornecedores alternativos, e investindo rapidamente em relações diplomáticas com os novos actores que serão necessários para assegurar os recursos e tecnologia críticos para as fontes renováveis. Com o aumento dos preços da energia, as indústrias, os consumidores individuais e os governos nacionais mostram ainda maior resistência do que antes de 24 de Fevereiro para suportar agora os inevitáveis custos intermédios da descarbonização das economias europeias.
Ainda assim, dados os esforços desenvolvidos nas últimas semanas para construir um consenso entre grupos partidários e interesses nacionais no Parlamento Europeu, a ruptura clara ocorrida no início de Junho não deixou boa imagem para o final de uma presidência que tinha prometido mais do que cumpriu em matéria de clima. Com todas as partes receosas de que os seus interesses não fossem tidos em conta no difícil compromisso a atingir, a raiva e a decepção entre os representantes políticos da UE e a comunidade climática era palpável.
O que poderia ter feito a diferença neste quadro seria uma liderança visionária da presidência francesa: construir uma narrativa clara sobre a necessidade de uma verdadeira soberania energética a estabelecer no longo prazo a partir de fontes limpas de energia. Desde o início da guerra da Rússia, a determinação da UE na descarbonização tem vacilado; os seus líderes políticos não têm a certeza se podem ou devem continuar a tentar avançar simultaneamente com a diversificação geográfica e substantiva da energia. O argumento sobre os maiores custos da inacção climática tem faltado e as decisões de investimento irreflectidas que nos prendem à energia baseada no carbono há demasiados anos estão a minar demasiadas intervenções governamentais sobre a crise energética.
Uma segunda pedra angular da liderança climática da UE que tem faltado nos últimos meses é um reconhecimento mais explícito, por parte das capitais europeias e de Bruxelas, de que neste momento de crise, tal como na crise da covid há dois verões atrás, há necessidade de “fazer o que for preciso”, incluindo novos empréstimos, a fim de financiar os investimentos necessários para aumentar rapidamente a energia limpa, tal como previsto no plano RePowerEU. A França também tem aqui um potencial maior do que aquele que tem demonstrado. Como campeã da soberania europeia a todos os níveis, tem uma voz credível sobre a necessidade de investir nas capacidades necessárias para construir a energia europeia – incluindo a energia climática. E a França desempenhou frequentemente no passado o papel de potência de ponte – entre a Alemanha e os Estados frugais, por um lado, e os Estados beneficiários do orçamento da UE do Sul e do Leste, por outro. Sem a clareza de visão sobre qualquer destes pontos, talvez surpreenda menos que os representantes do Parlamento Europeu não tenham sentido que o contexto permitisse que uma transição energética justa e ambiciosa pudesse ser levada avante.
Mas, embora a batalha por uma implementação justa do EGD num ambiente geopolítico instável ainda não esteja ganha, também não está perdida. A próxima década será crucial para manter os objectivos da neutralidade climática até 2050, e o consenso no seio da UE terá de ser encontrado passo a passo nesse caminho rochoso. Uma liderança firme que nos permita manter-nos focados nesse objectivo final continuará a ser vital ao longo dos próximos anos. Ao passar o testemunho à presidência checa, a França deverá comprometer-se em estabelecer parcerias e apoiar as próximas presidências para impulsionar a acção climática. A soberania energética limpa tornou-se – sem dúvida – a parte mais premente, mas negligenciada, da agenda das soberanias. No segundo mandato de cinco anos de Macron, ele deveria concentrar-se em resolvê-la.
Susi Dennison é a directora do Programa Europeu de Energia da European Council on Foreign Relations (ECFR)