Reena Varma tinha 15 anos quando se viu forçada a abandonar o território que é hoje o Paquistão. Agora, 75 anos depois, a indiana voltou a pisar o chão da casa que a viu nascer, em Rawalpindi, Punjab, que faz fronteira com a região homónima indiana. “Eu ficava aqui e cantava”, contou a anciã, com as lágrimas a correr pelo rosto, enquanto recordava a alegre infância: “São lágrimas de alegria”, explicou à Reuters.
A indiana tem fortes memórias do dia em que teve de deixar a sua casa. Afinal, por mais distante que possa estar agora, o lar que a viu crescer nunca a abandonou: “Não consigo tirar a minha casa ancestral, a minha vizinhança e as ruas do meu coração”, diz, citada pelo jornal paquistanês The Express Tribune.
Quando Reena, de 90 anos, chegou à casa de três andares, escondida entre becos estreitos, em Rawalpindi, junto à capital Islamabad, foi recebida por uma chuva de pétalas de rosa, com a qual os actuais residentes a receberam.
O sonho de voltar
“Toda a minha vida sonhei com isto. Queria voltar para a minha casa”, contou ao site noticioso indiano The Quint, admitindo estar “mais do que entusiasmada”. As palavras espelham-se nos passos de dança da indiana, ao som de tambores, à medida que entra na rua da sua infância. Quando era mais pequena, tocava do amanhecer ao anoitecer.
Mais tarde, Reena Varma entra em casa, onde passa várias horas a recordar aquilo que viveu em criança, com os seus pais e os cinco irmãos. “Estou muito feliz por ver que a casa se mantém intacta.”
A certa altura, descreve a Reuters, a indiana desata a rir por não conseguir subir uma escada sem apoio. É nesse momento que se relembra de quando tomava aquela acção “como um pássaro”.
Semanas antes da partição de 1947, na sequência do fim do domínio britânico, a família de Varma conseguiu fugir para a cidade de Pune, na parte ocidental da Índia, onde a mulher ainda vive. A sua família foi uma entre milhões cujas vidas foram viradas do avesso com a divisão da Índia colonial em dois estados: a Índia, de maioria hindu, e o Paquistão, de maioria muçulmana.
Desde então, o Paquistão e a Índia travaram três guerras. Como resultado, a história da região é marcada por uma das maiores migrações em massa da história, envolta em violência e derramamento de sangue. Um total de 15 milhões de muçulmanos, hindus e sikhs trocaram de país numa convulsão política que custou mais de um milhão de vidas.
As relações entre os dois países têm permanecido tensas, mas Varma lembra-se, de visita à sua terra natal, de quando todos viviam juntos em paz. Em Rawalpindi, embora a sua rua fosse habitada sobretudo por hindus, havia também muçulmanos, cristãos e sikhs. Citada pelo The Express Tribune, recorda-se desses tempos: “Os meus irmãos tinham amigos, que vinham até à nossa casa, de várias comunidades, incluindo muçulmanos.”
Longa espera por um visto
Em 1965, Varma pediu um visto pela primeira vez, pois queria visitar o Paquistão. A guerra ia-se prolongando, mas, mesmo assim, a indiana conseguiu chegar a Lahore, para assistir a um jogo de futebol entre o Paquistão e a Inglaterra. Passado várias décadas, Varma conseguiu um visto por 90 dias. No passado sábado, com os olhos em lágrimas, atravessou um posto fronteiriço perto da cidade de Lahore, no Leste do país.
Mas o caminho até obter o visto não foi fácil nem convencional, apesar de existir um acordo entre o Paquistão e a Índia para conceder vistos a cidadãos com mais de 60 anos. Foi graças a uma publicação nas redes sociais que o seu desejo chegou à agenda do India Pakistan Heritage, que trabalha na promoção da herança partilhada dos dois países e que procura reunir famílias separadas pela partição de 1947, e do ministro dos Negócios Estrangeiros do Paquistão, Hina Rabbani Khar. Juntos, conseguiram ajudar no processo que finalmente daria à indiana a possibilidade de voltar a casa.
Agora, Reena exorta ambos os países a flexibilizarem os seus regimes de vistos de forma a permitir que as pessoas dos dois lados da fronteira se reúnam com mais frequência. “Insto a nova geração a trabalhar em conjunto para facilitar as coisas”, apela. E prossegue, assinalando o que há em comum: “Temos a mesma cultura. Temos as mesmas coisas. Todos queremos viver com amor e paz.”
Afinal, para a indiana, o conflito e a separação não definem um povo e o seu carácter, já que “as pessoas do Paquistão são exactamente como nós”, reforça. “Quando o Paquistão foi estabelecido, apesar de tudo aquilo por que passámos enquanto família, disseram-me que as pessoas não são más” — e é assim que a indiana continua a ver os outros.
À porta da casa de onde teve de partir há 75 anos, deixa um conselho: “Eu diria para manter a humanidade acima de tudo”, pois, reforça, “todas as religiões ensinam a humanidade”.
Texto editado por Carla B. Ribeiro