Afinal, para que queremos sindicatos?

Se queremos ver os nossos problemas resolvidos, há uma imperativa necessidade de trocar estratégias folclóricas (cordões humanos, petições e outras palermices) por... greve a sério.

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Vários sindicalitas, de diferentes sindicatos, representados numa reuniao, em Lisboa, com o ministro João Costa Nuno Ferreira Santos/Arquivo

Mais de 14 anos depois, podemos dizer que o ano de 2008 poderá ter sido, sem sombra de dúvida, o ano onde se deram os maiores protestos de sempre da classe docente contra as reformas impostas por um governo maioritário.

Durante a governação de José Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues, os professores fizeram duas grandes manifestações e uma greve, que ficou perto dos 100% de adesão, a de 8 de março, que ficou conhecida como a Marcha da Indignação.

Com isto, conseguiram, sindicatos que convocaram e professores que aderiram, mostrar ao país que não se iriam render às políticas burocráticas, desastrosas e economicistas da ministra da Educação.

Foi provavelmente o último ano onde se conseguiu observar uma certa união da classe. Há quem diga que depois desses sinais de união, jamais vistos, veio também a desunião que se agudiza a cada ano que passa e que se deu sobretudo por um rude golpe na negociação com o Ministério da Educação.

O Memorando de Entendimento assinado entre a Plataforma de Sindicatos e o Ministério da Educação, em Abril, foi a machada final para o princípio do fim da união de toda a classe profissional.

O memorando terá resolvido questões imediatas, sobretudo a de assumir, para o ano letivo 2007/2008, um processo ultra-simplificado e de aplicação universal da avaliação do desempenho docente, fazendo com que mais de 90% dos professores não fossem avaliados e que os que fossem não tivessem consequências negativas no que se refere aos efeitos da mesma avaliação, e a de obrigar a uma negociação em junho/julho de 2009, um ano depois, e alargamento de prazo relativos à instalação do novo modelo de gestão de escolas.

A assinatura deste memorando fez com que sindicatos e Governo cantassem vitória, mas os vários movimentos de professores acusaram os dirigentes sindicais de traição. Com isto, a Plataforma Sindical de Professores organizou o dia D, para que em cada escola os professores se pronunciassem sobre o entendimento alcançado com o Governo. Segundo as contas dos sindicatos, perto de 80% dos professores que participaram nessas reuniões concordaram com a assinatura do memorando.

É, no entanto, inegável que se instalou um mal-estar globalizado entre os professores, sempre com a sensação de que teria sido desperdiçada a maior manifestação de todos os tempos, que juntara dois terços da classe profissional nas ruas de Lisboa. Na blogosfera e em iniciativas de diversos movimentos, este mal-estar foi-se transformando em revolta.

Assim que o novo modelo começou a ser aplicado em setembro de 2008, a perceção de que não servia foi quase instantânea e rapidamente surgiu uma onda crescente que reclamava por mais uma grande manifestação nacional e, sem que os sindicatos o pudessem prever, começou a surgir, com muita força e de forma espontânea a convocação, de uma manifestação para o dia 15 de novembro de 2008.

Com esta situação foi dado um sinal aos sindicatos de que sozinhos, unidos e com sensação de que teriam sido traídos, os professores conseguiriam parar as escolas. Foi então que os sindicatos, percebendo o enorme movimento dos professores, para que não perdessem o controlo, viram-se quase que obrigados a marcar uma nova manifestação nacional.

Mas, mais uma vez, ao invés de aproveitarem a mesma data e unirem esforços, quiseram assumir uma posição de poder e marcaram o protesto para uma semana antes. Ao mesmo tempo, com a pressão da classe, (caso contrário ficariam sossegados) começaram a exigir a suspensão do modelo de avaliação, contrariando o que haviam assinado seis meses antes, isto é, que a matéria seria discutida em junho do ano seguinte, 2009.

O memorando passou a ser letra morta. Os sindicatos agiam em reação e não com controlo da situação. Ainda assim conseguiram a 8 de novembro juntar 120 mil professores em Lisboa. Uma segunda oportunidade dada pelos docentes, que os sindicatos desaproveitaram pois, apesar da simplificação do modelo, os aspetos essenciais que eram contestados, as quotas, mantém-se até hoje.

Conseguiram por duas vezes bater recordes em manifestações, acabaram o ano, dezembro, com mais uma greve com adesão superior a 90% e ao fim do dia estávamos na mesma!

Afinal para que queremos sindicatos?

As lutas de há 14 anos continuam a ser as mesmas, juntando até mais problemas, como é o caso do tempo de serviço não contabilizado para progressão na carreira.

O modelo de gestão das escolas é o mesmo, deteriorando-se, a cada dia, o clima organizacional, os professores vivem inundados de burocracia, com níveis altíssimos de burnout, as quotas continuam a estrangular a progressão, os salários são quase o mínimo nacional e os sindicatos continuam em modo folclore.

Depois de seis anos em que foram totalmente coniventes com o Governo, salvo raríssimas exceções, como se durante esse tempo os problemas tivessem desaparecido, vemos agora ações pífias.

Se queremos ver os nossos problemas resolvidos, há uma imperativa necessidade de trocar estratégias folclóricas (cordões humanos, petições e outras palermices) por... greve a sério.

É necessário congregar os diferentes sindicatos, que já lhes perdi a conta, num movimento que desse unidade à classe.

Há ou não coragem por parte dos dirigentes sindicais para deixarem de parte vaidades pessoais e colocarem de uma vez por todas os interesses de quem representam em primeiro lugar?

Havendo esta congregação, estariam os professores disponíveis para olhar holisticamente para os problemas ou continuariam a descoser-se em desculpas esfarrapadas para não aderirem às greves?

Aproveitemos as férias para pensarmos de que maneira podemos fazer parte da solução!

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