Quem circula pelas ruas da capital, não pelas principais artérias, mas pelas ruas nas quais só quem mora em Lisboa circula, já se deparou certamente com a última moda lisboeta: caixotes de lixo a transbordar. A maior parte dos leitores deve estar sensibilizado para esta realidade pois já a deve ter presenciado no seu dia-a-dia. Portanto, qual é de facto o interesse deste relato?
A verdade é que finalmente descobri que o interior e o litoral são na realidade mais parecidos do que julgava. Acontece que sou eborense. E em Évora já se está habituado a tais condições. É comum encontrar ruas sujas com calçada irregular o que, dada a faixa etária dos habitantes do centro histórico, certamente não facilita as suas deslocações. É comum encontrar nas ruas da minha infância pequenas florestas de mato. E aqui começam as semelhanças com Lisboa: também aqui durante uma corrida nos bairros típicos me deparei com tais experiências florestais.
No caso de Évora, a flora está acompanhada pela fauna. Ao pombo lisboeta que pinta a cidade museu juntam-se os ratos e as baratas. Pragas normais e sem necessidade de “alarmismos“, segundo comunicado oficial. Contudo, o alarme deve soar quando a situação é recorrente, nada sendo feito de ano para ano. O mesmo comunicado refere um “fenómeno cíclico e controlável” cuja menção pode danificar a imagem pública da cidade. Ora, senhores munícipes, não peçam um município com condições de higiene muito alto, não vá o turista ouvir.
Obviamente estas condições em ambas as cidades afectam principalmente os seus habitantes. Ora, os habitantes gostam do investimento em grandes eventos culturais, mas a que custo? Vale a pena investir milhões a reabilitar o parque Tejo no âmbito das Jornadas Mundiais da Juventude quando o centro de Lisboa transborda de lixo? Vale a pena investir em eventos culturais no âmbito da candidatura a Capital Europeia da Cultura 2027 quando pragas de rastejantes e roedores assolam a cidade Património da Humanidade e as ruas protegidas com esta distinção estão degradadas e esquecidas por quem de direito?
Valer a pena até vale, mas acho que não é preciso ser consultor estratégico em políticas públicas para perceber que antes de canalizar fundos públicos para tais eventos é necessário garantir o bem-estar das populações e do espaço público. Se, por um lado, temos o impacto mediático da capital da Nação como representação da qualidade de vida no nosso país, por outro temos o dever enquanto país de salvaguardar a integridade e habitabilidade de uma cidade reconhecida pela UNESCO como de todos nós. Já para não falar de que o melhor cartão-de-visita de qualquer cidade é a limpeza e a segurança que proporcionam ao visitante.
No fundo, os verdadeiros esquecidos das nossas cidades são os seus habitantes. Os habitantes que vivem na mesma casa há 50 anos e lá querem continuar a morar apesar de aparentemente já não serem bem-vindos porque já não trazem riqueza. Falta definir como prioridade os habitantes das nossas cidades, de forma que estas sejam confortáveis e agradáveis não só para quem visita mas, e acima de tudo, para quem lá mora. Por fim, devemos todos fazer a nossa parte de forma a manter as nossas “casas” limpas e saudáveis mas sem nunca deixar de alertar e reivindicar aos nossos eleitos quando tarefas confiadas pelos cidadãos aos órgãos de poder local (e financiadas com os seus impostos) estão a ser descuradas.
E por tudo isto, a cidade alentejana é prima da cidade lisboeta.