Lívia Franco. Que nova ordem mundial podemos esperar no pós-guerra da Ucrânia?

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Neste episódio do podcast 45 Graus, a convidada é Lívia Franco é professora e investigadora no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa (IEPUCP) e investigadora associada do think tank pan-europeu European Center for Foreign Relations (ECFR). Lecciona e investiga nos domínios da política internacional contemporânea, política externa portuguesa, política europeia e questões de democracia e de segurança e defesa. Doutorou-se em ciência política pelo IEP-UCP e é mestre em relações internacionais pela Universidade de Lovaina, na Bélgica.

Desde a invasão da Ucrânia, a 24 de Fevereiro, que a guerra tem dominado a discussão no espaço público. Qualquer que venha ser o desfecho, trata-se de um acontecimento que veio alterar a ordem mundial de maneira irreversível. Nesta conversa com Lívia Franco, são abordados três aspectos essenciais para compreender a guerra e as suas implicações geopolíticas.

Em primeiro, as motivações da Rússia para a invasão, difíceis de discernir, um tema mais complexo do que transparece da análise muitas vezes apressada das televisões. Há quem veja na invasão simplesmente a loucura de um déspota isolado pela pandemia, que vê neonazis em todo o lado. Mas essa explicação é, necessariamente, curta. Já todos vimos também a invasão ser descrita numa lógica mais consequente como a vontade de Putin em recuperar o território da antiga URSS; mas também é muitas vezes descrita como uma reacção à ameaça trazida pela suposta intenção da NATO de expandir a leste.

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Lívia Franco International Affairs Network

Da mesma forma, há quem diga que a preocupação da cúpula russa está não tanto no território ou estritamente na ameaça bélica, mas sobretudo na aproximação dos governos e da política ucraniana nos últimos anos na direcção das democracias liberais ocidentais. E há mesmo quem sugira, como faz a convidada, que a guerra tem também a intenção de afirmar o poder russo num mundo a convergir para dois pólos: EUA e China. Vale, por isso, a pena tentar perceber melhor estas explicações políticas e, sobretudo, o modo como se relacionam entre si.

O segundo aspecto abordado na conversa é o passo seguinte: qual poderá ser o desfecho da guerra? Nesta altura, parece quase certo que nem a Rússia nem a Ucrânia irão poder cantar vitória e que o desfecho terá de decorrer, por isso, pela via negocial. E aí, que cedências, que compromissos poderão estar em cima da mesa? O que poderá ser aceitável para ambos os lados e, desejavelmente, dar alguma estabilidade geopolítica?

Por fim, o terceiro tópico, relacionado com o anterior, é o mais importante de todos: que implicações terá esta guerra na ordem mundial? A convidada lembra a certo ponto a famosa tese do cientista político norte-americano Francis Fukuyama, no seu livro de 1992, O fim da História. Segundo esta tese, a queda da URSS, que acabava de ocorrer - e, com ela, do modelo comunista -, trazia consigo a convergência do mundo inteiro para a ordem liberal do modelo ocidental: com democracia, economia de mercado, defesa dos direitos humanos, respeito pela integridade territorial dos Estados e da autodeterminação dos povos.

Na nossa conversa, a convidada assinala como a tese de Fukuyama estava errada na sua vertente geopolítica, uma vez que ainda é possível a líderes autocráticos usar o seu poder e capacidade de acicatar sentimentos nacionalistas entre a população para invadir outros países, desrespeitando estes princípios, apesar do sistema de instituições multilaterais que hoje existem, como a ONU, e da integração da economia mundial.

A invasão da Ucrânia veio, assim, mostrar que esta expectativa era ingénua. Ao mesmo tempo, a acção da Rússia forçou os países, sobretudo aqueles com mais peso geopolítico, a porem as cartas na mesa: contra a Rússia (como a generalidade dos países ocidentais) ou a favor desta - ou, pelo menos, assumindo uma postura ambígua, como países como a Índia têm tentado fazer. O retrato que tem emergido é, aliás, menos harmonioso do que possa parecer aos olhos ocidentais, pois nem todos os países estão dispostos a alinhar na postura de condenação absoluta ao regime de Putin.

O que parece hoje quase certo é que a invasão da Ucrânia irá alterar a ordem mundial. Mas para onde? Segundo a convidada, a acção da Rússia, ao invés de dar um renovado peso na arena mundial pode ter, pelo contrário, precipitado a tendência que vinha ganhando forma este século: a emergência de um mundo bipolar dividido entre os EUA e a China.


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