Conferência de Estocolmo: os problemas que resistem
Cinquenta anos depois da realização da Conferencia de Estocolmo os dois principais problemas com que a Humanidade hoje se defronta parecem-me ser as consequências das alterações climáticas e o subdesenvolvimento que afecta grande parte da população mundial, mesmo até em países que oficialmente e na aparência se apresentam como sendo desenvolvidos. Tão ou mais importante que o subdesenvolvimento material é o subdesenvolvimento intelectual que impede a formação de uma massa critica activa e interveniente, nomeadamente sobre as questões ambientais.
A grande compreensão mundial sobre a necessidade de defender o Ambiente terá começado com Janes Lovelock quando lançou a sua ideia da Gaia, o sistema vivo que só é mantido se nós o soubermos manter; depois em 1972 a Conferência de Estocolmo como que obrigou todos os países a preocuparem-se com o assunto. Nessa célebre conferência ouvimos declarar que “ o homem tem direito fundamental à liberdade ( logo a liberdade à frente de tudo!!), à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas a um ambiente de qualidade” e também : “o homem tem a responsabilidade especial de preservar e administrar judiciosamente o património natural e os seus habitats”
Portugal, em pleno “marcelismo”, criou então em 1971 a Comissão Nacional do Ambiente, entregue a um dos poucos políticos portugueses da altura que conhecia a situação – o engenheiro Correia da Cunha, pessoa muito competente e de amplo diálogo, sempre com fortes bases de conhecimento, que muito ajudaram a ampliar a compreensão pública das questões ambientais. E criou-se também em 1971 o Parque do Gerês, classificado como nacional.
Olhemos então para Portugal:
1- o interior despovoado
2- o sector agro-florestal desmantelado
3- a política de Ambiente desarticulada
4- a passividade cívica de grande parte da população, assoberbada com problemas do dia-a-dia e indiferente às questões ambientais.
Abordemos, pois, estas questões.
1- Desde que um Governo na década de 90 do século passado decidiu dar subsídios aos pequenos e médios agricultores para deixarem de produzir, milhares de hectares de solos agricultáveis foram abandonados e a falta de actividades no mundo rural atirou milhares de pessoas jovens para as cidades. Muitos dos solos acabaram plantados com eucaliptos sem que tivesse havido um ordenamento florestal que permitisse localizar esses povoamentos estremes apenas e só onde eles tivessem lugar sem interferir com as outras culturas. E outros milhares de hectares de solos ficaram simplesmente abandonados. Mas ainda agora continua a sair legislação para ampliar a área de eucaliptais como tem sido denunciado por ONGs.
2- O sector agro-florestal foi sendo desarticulado e chegou ao extremo actual de agricultura e “floresta” estarem em Ministérios diferentes, dizendo que este é o caminho actual para o futuro.
Começou com a extinção dos Serviços Florestais, que existiam desde o século XIX, instituição fundamental para a defesa do Ambiente.
Durante décadas a quadrícula de pessoal florestal distribuído pelo território garantiu o controlo dos fogos rurais, porque os focos de incêndio eram detectados geralmente logo no início e possibilitavam uma intervenção atempada. Pessoal florestal e bombeiros eram então suficientes para controlar os fogos. Agora todos os anos se gastam milhões e milhões com os incêndios só porque seguimos este “caminho de futuro”.
-A política agrícola tem privilegiado e subsidiado os pomares de regadio intensivo, sem cuidar do recurso água, esquecendo as culturas alimentares e forrageiras de que o País tem carência, nas pequenas e médias explorações.
Oras, as preocupações com o Ambiente e com os processos ecológicos não são pertença de qualquer profissão específica, podem citar-se muitos exemplos de grandes personalidades envolvidas nestas matérias provindo das mais diversas formações científicas. Mas é forçoso reconhecer que em Portugal, onde as especializações por vezes estreitaram a visão global do Meio, coube aos arquitectos paisagistas, pela sua formação generalista e de síntese das Ciências da Terra e da Arte, a oportunidade de se destacarem na reflexão e definição da política de Conservação indispensável ao Ambiente tal como ao Ordenamento do Território, que entre nós se entendeu sempre como ordenamento paisagístico.
Sem esquecer outros participantes que se revelaram fundamentais para a definição e execução da política de ambiente - e não deixarei de citar pelo menos os Professor Delgado Domingos e Manuel Gomes Guerreiro e o engenheiro Carlos Pimenta – recaiu pois sobre os arquitectos paisagistas o grande papel fundacional dessa política, quer com Francisco Caldeira Cabral e logo com Gonçalo Ribeiro Telles que soube apoiar-se, entre muitos outros colegas, em António Viana Barreto e Ilídio Alves de Araújo, dois pilares inesquecíveis da política ambiental.
As Áreas Protegidas – Parques Naturais e Reservas Naturais - deixaram de ter a sua direcção e perderam a sua ligação com as populações locais; os planos de ordenamento não são cumpridos e a tragédia recente da Serra da Estrela é o último exemplo; já arderam áreas significativas pelo menos nos Parques Naturais do Alvão e da Serra d’Aire e Candeeiros; a Serra de Montemuro (1999), nunca viu o seu plano de ordenamento ser aprovado - agora é um vasto eucaliptal. Hoje Conservação e Ordenamento, os dois pilares do Ambiente, estão em tutelas diferentes - porquê? Porque dá jeito a alguém.
Suportada pela Lei de Bases do Ambiente (1987) durante décadas, a política de Ambiente permitiu ao país escapar a um pior desordenamento e a uma maior destruição dos equilíbrios dinâmicos, ecológicos e paisagísticos, até que surgiram uns sobredotados que resolveram inventar a pólvora e criaram o caos a que, se quisermos ser sérios, todos os cidadãos assistem impávidos e onde, quem aponta o dedo, é acusado de estar ultrapassado pela modernidade.
Cinquenta anos depois da Conferencia de Estocolmo que cada um faça o seu juízo!