Ser um bom professor é importar-se e estar atento

Deixamos quem nos inspirou e continua a inspirar e a preparar o nosso futuro enquanto sociedade, isto é, os nossos professores, definhar no topo das profissões com maior risco de esgotamento mental, emocional e físico, sujeitos a tudo, incluindo agressões físicas e verbais!

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"Vivemos num mundo em que, quanto mais vital é uma ocupação, como ensinar ou cuidar de outros ou limpar, menor é a sua parcela no PIB" Taylor Flowe/Unsplash

Foi meu professor de Físico-Química no 10.º e 11.º anos e está no meu top de melhores professores de sempre! Dele guardo várias recordações. Algumas, pasme-se, até são de matéria, apesar de não ter a disciplina há mais de 25 anos!

Para o professor João um salto malsucedido de um paraquedista poderá ser visto como uma tragédia para a sua família, mas para um físico, há que saber apreciar a beleza da queda de um grave! Fazia os nossos testes em guardanapos da pastelaria onde ia tomar café e, quando chegava à nossa aula, acenava com o guardanapo, sorridente, dizendo que já tinha o nosso teste feito. Numa ocasião proibiu-nos de utilizar folhas de ponto. Tivemos de escrever tudo no enunciado. Motivo? Gastava-se muito papel inutilmente e assim não ia carregado para casa. Perdi a conta ao número de vezes em que nos mandava lá para fora, para ver se chovia. Durante semanas chateou-se connosco e dava aulas de óculos de sol, alegando que já não nos podia ver à frente. Imagino que, por esta altura, se estejam a questionar como seriam os meus restantes professores.

É que no meio da sua irreverência e singularidade, o professor João tinha uma sensibilidade incrível! Era empático e conhecia bem o estado de espírito dos seus alunos. Sabia intuir quando não estavam bem, sem ser necessário dizê-lo por palavras. Olhava mais para nós, como a tentar perceber o que se passaria e ficávamos assim, numa linguagem não verbal em que, mesmo nem sempre falando, era reconfortante perceber que ele nos entendia. Que estava atento aos seus alunos enquanto pessoas, mesmo de óculos de sol! Um dia, ainda durante essa fase, apercebeu-se que um colega nosso tinha tido um acidente de mota com o irmão e que este não conseguiu sobreviver. Procurou junto de nós saber mais detalhes, em que hospital se encontrava e, mesmo sendo noutra cidade, foi visitá-lo.

Vivemos num mundo em que, quanto mais vital é uma ocupação, como ensinar ou cuidar de outros ou limpar, menor é a sua parcela no PIB. Já referia o Nobel da Economia, James Tobin, que dedicamos cada vez mais recursos a atividades financeiras que geram elevados prémios privados, desproporcionais em relação à sua produtividade social. Enquanto isso deixamos quem nos inspirou e continua a inspirar e a preparar o nosso futuro enquanto sociedade, isto é, os nossos professores, definhar no topo das profissões com maior risco de esgotamento mental, emocional e físico, sujeitos a tudo, incluindo agressões físicas e verbais!

Cerca de 60% dos professores portugueses sofrem de burnout, devido a fatores como a excessiva burocracia, a indisciplina e a sensação de não conseguirem acompanhar os alunos individualmente. Ser um bom professor exige um contacto próximo e um envolvimento emocional com os alunos, sendo esse um dos principais motivos que justificam a vulnerabilidade dos professores a este problema de saúde psicológica. Quando será uma prioridade cuidar bem dos nossos professores? De reconhecer e valorizar o seu enorme contributo para a sociedade? Ou vamos continuar a deixar para amanhã o que já ontem deixámos para hoje?

O professor João é a prova que não é preciso ser-se perfeito e estar na sua melhor forma, para se ser um excelente professor. É preciso importar-se e estar atento. Com ele, nunca me senti um número! Quando comecei a ser sua aluna, já tinha intenção de estudar psicologia e sabia que não precisaria da nota do exame dessa disciplina para entrar na faculdade. Podia ter sido um fator de desmotivação. Mas não! Gostava mesmo de aprender Físico-Química! E depois de quase roçar a negativa nesta disciplina no 9.º ano, conclui o 11.º ano com 19 valores.

Obrigada professor João, pelo talento de me fazer acreditar que o tempo que me dispensou foi realmente meu! Não há uma única vez em que oiça Dire Straits e não me recorde de si. E também sei que não sou a única.

O músico e maestro Benjamim Zander, numa conhecida TED talk acerca do “poder transformador da música clássica”, dizia que a sua definição de sucesso não se relacionava com riqueza, fama, ou poder, mas sim com os olhos brilhantes que inspirava à sua volta. Na turma do professor João, fizesse chuva ou fizesse sol, esses olhos davam para iluminar uma aldeia!


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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